OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
vingar.<br />
O velho Rodrigues <strong>de</strong>ixou cair <strong>de</strong> novo a cabeça, e pareceu abismado em<br />
profundas reflexões.<br />
João ficou olhando para ele e refletindo também.<br />
Ambos aqueles velhos meditavam; o primeiro pensava nos meios <strong>de</strong> chegar a<br />
uma completa harmonia; o segundo sonhava com a vingança.<br />
Levantaram a cabeça ao mesmo tempo. Rodrigues exalando um longo<br />
suspiro. João <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>ndo um surdo gemido.<br />
Era o acordar da paz e da guerra.<br />
– João, disse Rodrigues, sabes <strong>de</strong> quem me estava lembrando?<br />
– Não; <strong>de</strong> quem?<br />
– Dele.<br />
– Do insolente?<br />
– De seu pai, João.<br />
– E eu <strong>de</strong> sua mãe, Rodrigues.<br />
– João, perdoemos aqueles que estão na eternida<strong>de</strong>.<br />
– Sim, mas castiguemos os maus que pesam neste mundo.<br />
O velho Rodrigues sacudiu a cabeça, suspirou <strong>de</strong> novo, e <strong>de</strong>pois cruzando as<br />
mãos sobre o peito, disse com voz terna e comovida:<br />
– João, pela memória do nosso bom amigo perdoa a injúria que recebeste <strong>de</strong><br />
seu filho.<br />
João conservou-se muito tempo em silêncio olhando para seu irmão, que,<br />
melancólico e piedoso, tinha ainda as mãos cruzadas sobre o peito, como se<br />
estivesse orando.<br />
– Rodrigues, murmurou enfim o velho, esse atrevido mancebo calcou o pé<br />
sobre o meu ventre!<br />
Por única resposta duas grossas lágrimas correram pelas faces enrugadas do<br />
velho guarda-portão.<br />
– Que é isso, homem?... perguntou João.<br />
– Não é nada, respon<strong>de</strong>u Rodrigues; isto não é nada... choro... há bem tempo<br />
que não o faço.<br />
E <strong>de</strong>pois balbuciou dolorosamente:<br />
– Pobre amigo!... está morto!... não po<strong>de</strong> valer a seu filho...<br />
E as lágrimas começaram a cair-lhe <strong>de</strong> quatro em quatro.<br />
Alguns momentos <strong>de</strong>pois os dois velhos choravam juntos e abraçados um com<br />
o outro.<br />
– Perdoas-lhe, João? perguntou finalmente Rodrigues.<br />
– E esse pobre Cândido, irmão?!<br />
– Devemos fazê-lo feliz, é verda<strong>de</strong>.<br />
– Mas aquela carta...<br />
– Podíamos prescindir <strong>de</strong>la; porém nesse caso teríamos uma mulher<br />
<strong>de</strong>sgraçada... e criminosa.<br />
– Que nos importa... é um castigo.<br />
206