OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
sonha com a felicida<strong>de</strong> como sonha o moço que estudou, e que tem imaginação e<br />
ardor. Não é ouro o que eu <strong>de</strong>sejo, senhor... a riqueza que eu peço a Deus não é <strong>de</strong><br />
metal, nem <strong>de</strong> bilhetes do banco; a minha riqueza é a do coração. Se muitas vezes<br />
falo com amargor do po<strong>de</strong>r do dinheiro, é porque me revolto quando vejo acima do<br />
talento, da honra e do mérito, o ouro! mas não é o ouro que eu ambiciono.<br />
– Não o compreendo, disse Anacleto.<br />
– O que me acanha, o que me obumbra, o que me faz nascer <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> fugir<br />
para essas florestas virgens <strong>de</strong> minha pátria, é a pobreza <strong>de</strong> afeições em que vivo.<br />
Ah! Sr. Anacleto!... eu sou o último, o mais miserável mendigo dos melhores<br />
amores!.<br />
– Que quer dizer?<br />
– Pois então? como é que um homem como eu não há <strong>de</strong> sentir apertar-se-lhe<br />
terrivelmente o coração, quando, comparando-se com os outros homens, se acha o<br />
somenos <strong>de</strong> todos eles?... pois não há <strong>de</strong> doer-me o aspecto da felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
família, comparado com o meu isolamento?... Em sua casa, em toda a parte on<strong>de</strong> há<br />
homens e mulheres, eu vejo um moço brilhante <strong>de</strong> mocida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> talento, <strong>de</strong> ardor e<br />
<strong>de</strong> ventura; pensa que é isso o que eu invejo?... não; também sou moço, tenho<br />
também alguma inteligência, e também fogo no coração; o que eu invejo é o olhar<br />
<strong>de</strong> gênio benfeitor, é o olhar <strong>de</strong> bênção, senhor, com que um velho pai se revive<br />
naquele moço; é o carinho, a doçura angélica com que uma terna mãe o festeja; é a<br />
doce amiza<strong>de</strong> com que uma boa irmã o abraça; e então, senhor, quando eu penso<br />
que nunca cheguei a gozar, nem gozarei um olhar assim <strong>de</strong> um bom pai, nem um<br />
carinho <strong>de</strong> mãe, nem uma meiguice <strong>de</strong> irmã, não é verda<strong>de</strong> que tenho bastante razão<br />
para consi<strong>de</strong>rar-me <strong>de</strong>sgraçado?... não é verda<strong>de</strong> o que eu digo? não sou eu o último,<br />
o mais miserável mendigo dos melhores amores?...<br />
– E o remédio agora, meu pobre Cândido?! disse Anacleto meio comovido.<br />
– Remédio para curar radicalmente a minha dor não há nenhum; para minorála<br />
é a solidão, é o retiro. Aqui, senhor, no fundo <strong>de</strong>ste quarto eu não vejo essas cenas<br />
<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> doméstica, não tenho ao vivo diante dos olhos o quadro daquilo que<br />
em vão <strong>de</strong>sejo. Ficarei pois aqui, senhor, enquanto esta boa velha carecer <strong>de</strong> meu<br />
braço; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento porém em que ela fechar os olhos, o meu <strong>de</strong>stino é outro.<br />
O moço respirou, e prosseguiu:<br />
– Não conheci meus pais; minha mãe é a natureza; pois bem, irei viver on<strong>de</strong> a<br />
natureza é mais bela, irei adorá-la nos seus vivos encantos. Aborreço a socieda<strong>de</strong><br />
dos homens. O campo... o vale... a montanha... os precipícios... a floresta virgem... o<br />
rio caudaloso é um espetáculo bem belo!... ah! sim! o campo... o vale... os<br />
precipícios... a floresta virgem... e o rio caudaloso são meus irmãos; têm como eu<br />
por mãe somente a natureza.<br />
Cândido tinha-se exaltado tanto, que Anacleto <strong>de</strong>ixou-o sossegar para<br />
continuar a conversação que havia encetado.<br />
– Tem ainda muito fogo, sr. Cândido, disse o velho, é muito moço, e sua<br />
imaginação avulta os seus pesares. Respeito-os porque são <strong>de</strong> nobre origem; mas<br />
tenho o direito dos anos para dizer-lhe que pecam por excessivos.<br />
141