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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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– Obrigado, disse Rodrigues, estou bem <strong>de</strong> pé.<br />

– Como lhe parecer. Dirá então o motivo que me <strong>de</strong>u a honra <strong>de</strong> sua visita?<br />

– A visita <strong>de</strong> um pobre velho não honra... incomoda.<br />

– Deixemo-nos disso, disse o moço, tenho que fazer; diga o que quer.<br />

O velho guarda-portão sorriu amargamente daquele modo incrível, e daquele<br />

árduo <strong>de</strong>sprezo com que era tratado por Salustiano.<br />

– Então?! tornou este.<br />

– Venho contar-te uma história, mancebo.<br />

– Crê o senhor que tenho tempo <strong>de</strong> sobra para gastar ouvindo suas histórias?...<br />

– Oh! que sim! rico senhor! baixando à sepultura, teu pai te repetiu com voz<br />

já sumida as mesmas palavras, que mil vezes te havia dito nos tempos da vida: –<br />

ouve, meu filho, ouve e obe<strong>de</strong>ce a João e a Rodrigues, como se fosse a mim que<br />

obe<strong>de</strong>cesses.<br />

– E a que vem isso?<br />

– É preciso portanto que ouças a história <strong>de</strong>sses dois velhos, e a <strong>de</strong> teu pai<br />

também; porque enfim... o moço vai <strong>de</strong> novo indo no mau caminho!<br />

– Senhor!<br />

– Mancebo! escuta: não é por mim, é por ti que eu aqui venho. O raio está<br />

levantado sobre tua cabeça e prestes a <strong>de</strong>sfechar-se... eu quero mostrar-te o meio <strong>de</strong><br />

vencer a tempesta<strong>de</strong>: escuta.<br />

A voz do velho tinha um não sei quê <strong>de</strong> lúgubre e terrível, que causou<br />

impressão profunda em Salustiano, o qual, como para escon<strong>de</strong>r a comoção que ela<br />

acabava <strong>de</strong> produzir em seu ânimo, sorriu à força, e disse:<br />

– Portanto, escutemos o profeta.<br />

Rodrigues fingiu não ter ouvido a zombaria do moço, e, cruzando os braços<br />

sobre o peito, em pé, <strong>de</strong>fronte <strong>de</strong> Salustiano, começou a história assim:<br />

– Noutro tempo, mancebo (bastantes anos já são passados), haviam nesta<br />

mesma província do Rio <strong>de</strong> Janeiro, e em um dos seus municípios <strong>de</strong> serra acima,<br />

dois jovens belos, ar<strong>de</strong>ntes, e generosos. Tinham ambos a mesma ida<strong>de</strong>, vinte e<br />

cinco anos; seus pais haviam morrido e lhes <strong>de</strong>ixado ricas heranças. Pedro e Paulo<br />

se chamavam eles. Não eram parentes; achavam-se no mundo sós e com um <strong>de</strong>stino<br />

em tudo semelhante. Paulo tinha apenas um tio que <strong>de</strong>le não gostava; Pedro não<br />

conhecia parente algum. Esses dois moços encontraram-se pois no mundo tão<br />

iguais, tão semelhantes, que se abraçaram um com o outro, juraram amiza<strong>de</strong> eterna,<br />

amaram-se como irmãos gêmeos, misturaram seus prazeres e seus pesares; <strong>de</strong> modo<br />

que aquele que ofen<strong>de</strong>sse Paulo teria ofendido Pedro, e o que fosse amigo <strong>de</strong>ste<br />

seria por força também amigo daquele.<br />

– Até aí nada <strong>de</strong> novo, meu caro, disse Salustiano, e, para poupar-lhe<br />

palavras, <strong>de</strong>claro que já sei que esse Paulo era meu bisavô, e esse Pedro o<br />

respeitável avô do sr. Rodrigues.<br />

Sem dar atenção ao que acabava <strong>de</strong> dizer Salustiano, o velho continuou:<br />

– Esses dois amigos amaram ao mesmo tempo duas interessantes jovens;<br />

casaram-se no mesmo dia, e ce<strong>de</strong>ndo ao ardor da ida<strong>de</strong>, e às instigações <strong>de</strong> falsos<br />

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