OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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A interessante moça passeou durante alguns momentos por entre suas flores;<br />
examinou o estado <strong>de</strong> seus arbustinhos mais queridos; enfim chegou-se a uma<br />
roseira e colheu um botão <strong>de</strong> rosa.<br />
Tinha colhido a sua imagem.<br />
Entrou <strong>de</strong>pois no caramanchão e reclinou-se negligentemente em um banco<br />
<strong>de</strong> relva. Aproveitando a inclinação <strong>de</strong>sse belo corpo, e ajudados pelo impulso dos<br />
zéfiros, os cabelos da moça <strong>de</strong>rramaram-se sobre ela.<br />
Quem a visse então <strong>de</strong>baixo daquele teto <strong>de</strong> flores, reclinada em um leito cor<br />
<strong>de</strong> esmeralda, com seu seio e seu colo cobertos pelas longas ma<strong>de</strong>ixas quase negras,<br />
com seu comprido vestido azul-celeste agitado pelas auras, com seu rosto tão belo<br />
como surgindo <strong>de</strong>ntre aquela chusma <strong>de</strong> anéis <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ixas, a julgaria talvez uma<br />
encantadora fada, ou tomá-la-ia pela visão <strong>de</strong> um sonho.<br />
A moça parecia esquecida <strong>de</strong> si própria na posição que tomara, quando um<br />
brando raio do sol que acabava <strong>de</strong> nascer veio refletir sobre seu rosto.<br />
Então ergueu-se, e olhando como em <strong>de</strong>spedida para suas flores, saiu do<br />
caramanhão, e pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sapareceu pela pequena porta por on<strong>de</strong> tinha vindo.<br />
O anjo acabava <strong>de</strong> entrar no céu.<br />
Cândido, imóvel, silencioso e em êxtase, havia acompanhado com seu olhar<br />
magnético aquela mulher angélica em todos os seus movimentos. Vendo-a<br />
<strong>de</strong>saparecer, exalou um suspiro longo e doloroso, que talvez <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito sufocava<br />
no coração; e enfim pronunciou vagarosamente com enlevo indizível e <strong>de</strong>morandose<br />
em cada sílaba, um nome, só um nome, como se esse nome fosse um hino<br />
completo, e em cada uma <strong>de</strong> suas sílabas achassem seus lábios melíflua doçura.<br />
Ele disse pois baixinho e preguiçosamente:<br />
– Celina!<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> III<br />
A TIA DE CELINA<br />
CELINA acabava <strong>de</strong> entrar na sala para entregar-se a seus estudos <strong>de</strong> música,<br />
que ela amava sobretudo, quando sua tia veio correndo para ela, e com uma<br />
explosão <strong>de</strong> alegria infantil exclamou abraçando-a:<br />
– Celina! eu sou feliz... imensamente feliz!.<br />
A “Bela Órfã” <strong>de</strong>ixou-se levar por Mariana até o sofá, on<strong>de</strong> se sentaram<br />
juntas a sobrinha muito admirada, e a tia rutilante <strong>de</strong> júbilo.<br />
Mariana era uma <strong>de</strong>ssas mulheres que ainda são moças aos quarenta anos.<br />
Contava ela então trinta e seis, dizia que tinha trinta, e julgá-la-iam com vinte e<br />
cinco. Era um verda<strong>de</strong>iro tipo <strong>de</strong> beleza dos trópicos; tinha os cabelos longos e<br />
negros como o azeviche, os olhos gran<strong>de</strong>s, pretos e tão brilhantes como o sol do<br />
Brasil; o rosto perfeitamente bem talhado e <strong>de</strong> uma cor morena muito pronunciada.<br />
O nariz era bem feito, e suas narinas ce<strong>de</strong>ndo às vezes a um ardor natural, se<br />
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