OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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aqui com que pagar-lhe a ama. Depois... se ele viver, uma mão misteriosa cuidará<br />
em sua educação; como um amigo incógnito velará por ele.<br />
E <strong>de</strong>ixando sobre a mesa uma bolsa cheia <strong>de</strong> ouro, o <strong>de</strong>sconhecido envolveuse<br />
<strong>de</strong> novo em sua capa, abriu a porta e <strong>de</strong>sapareceu.<br />
A noite já estava bela e clara; bela e clara como o dia.<br />
Fiquei só com o menino.<br />
– E esse menino, disse tristemente Cândido, esse menino era eu.<br />
Examinei-o todo, continuou a velha; e nem uma letra em suas roupinhas para<br />
<strong>de</strong>signar sua família, e nem um sinal em seu corpo para fazê-lo conhecido <strong>de</strong> seus<br />
pais.<br />
– Oh!... é minha mãe, senhora? perguntou Cândido.<br />
– Abençoada seja essa noite, exclamou a velha sem aten<strong>de</strong>r a seu filho<br />
adotivo. Tu, Cândido, foste crescendo ao pé <strong>de</strong> mim sempre belo, feliz e engraçado.<br />
De ano em ano, à mesma noite, às mesmas horas, o homem <strong>de</strong>sconhecido,<br />
embuçado em sua capa negra, vinha agra<strong>de</strong>cer-me os cuidados que o meu amor<br />
gastava contigo, e <strong>de</strong>ixar-me ora uma bolsa repleta <strong>de</strong> ouro, ora uma carteira<br />
contendo soma consi<strong>de</strong>rável em relação às pequenas <strong>de</strong>spesas que me obrigavas a<br />
fazer.<br />
– E esse homem nunca falou?... nunca disse nada a respeito <strong>de</strong> meus pais?<br />
– Nunca. E tu eras tão pequeno, que jamais me veio à lembrança contar-te a<br />
história <strong>de</strong>ssa noite. Depois, quando chegaste aos treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, esse homem<br />
te veio arrancar dos meus braços... e sabes quanto tempo estivemos separados?<br />
– Oh! eu o vi então! esse homem <strong>de</strong> roupas negras... eu me hei <strong>de</strong> lembrar<br />
sempre...<br />
– Voltaste, continuou Irias, e é esta a primeira noite <strong>de</strong> teus anos que<br />
passamos juntos <strong>de</strong>pois da tua volta. Quis referir-te o que se passou nessa noite, que<br />
começando em tempesta<strong>de</strong>, acabou tão bonançosa. Oh! foi uma bela noite! bem<br />
feliz!... bem ditosa para mim.<br />
– A noite em que me enjeitaram! balbuciou o mancebo.<br />
– Todos os dias agra<strong>de</strong>ço a Deus a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> me haver feito tua mãe,<br />
porque tu és a consolação e amparo da minha velhice.<br />
– Obrigado, senhora.<br />
– Porque tu me amas como eu te amo.<br />
– É certo.<br />
– Porque tu me fazes ditosa, e hás <strong>de</strong> ser ditoso também.<br />
– Ah! quem sabe?!<br />
– Hás <strong>de</strong> o ser. A Senhora das Dores presidiu à hora feliz em que te eu adotei;<br />
tu és seu filho também... confia nela.<br />
– E minha mãe?! exclamou o mancebo.<br />
– E que outra melhor mãe do que ela?...<br />
– Oh! nenhuma; mas aquela que me concebeu tem direito ao amor do meu<br />
coração!... oh! minha mãe!... minha mãe... para que eu enxugue suas lágrimas se ela<br />
chora...<br />
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