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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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sorriem tão graciosos, estão mil vezes a ponto <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>smentidos pelo pranto dos<br />

olhos; e essas palavras <strong>de</strong> prazer e felicida<strong>de</strong>, que se dizem nas assembléias, fazem<br />

às pobres míseras que as pronunciam uma acerba e terrível ironia! elas rindo-se<br />

tanto e tão à força, e sendo tão <strong>de</strong>sgraçadas na alma! Dourado vaso, que encheram<br />

<strong>de</strong> fel, cofre aprimorado, que escon<strong>de</strong> perigoso arcano... aí ten<strong>de</strong>s a imagem <strong>de</strong> todas<br />

essas que são como Mariana.<br />

Escravas sempre da vaida<strong>de</strong>, as mulheres acham sempre na vaida<strong>de</strong> os seus<br />

tormentos e o seu castigo. Lutam anos inteiros umas com as outras, e têm por armas<br />

os vestidos e as jóias, os sorrisos e os olhos. E uma se dói, recebe um golpe cruel<br />

somente porque o vestido da outra é mais belo; e não dorme uma noite inteira<br />

porque apareceram uns olhos pretos que valem o dobro dos seus!... mas isto é nada;<br />

o que é tudo é a vaida<strong>de</strong> dos sentimentos, que obriga a rir com o céu nos lábios<br />

tendo o inferno <strong>de</strong>ntro do coração; que obriga a fingir-se venturosa quando se é<br />

<strong>de</strong>sgraçada!... Estar em torturas, e dizer – sou feliz! – enganar o mundo por causa do<br />

mundo, e para ser invejada e não parecer vencida, nem mesmo nos mimos da<br />

fortuna!... tanta riqueza vestindo tão gran<strong>de</strong> miséria!...<br />

Deve ser bem amargosa vida!...<br />

Porém Mariana sentiu que subiam a escada e conheceu as pisadas <strong>de</strong> sua<br />

sobrinha. Imediatamente uma revolução completa se operou nela; sua fronte<br />

<strong>de</strong>senrugou-se, seus olhos ergueram-se e brilharam. Em um momento, e com toda<br />

essa habilida<strong>de</strong> que caracteriza as senhoras, fez <strong>de</strong>saparecer todos os <strong>de</strong>scuidos <strong>de</strong><br />

seu toilette, e enfeitou os lábios com um sorriso angélico. Era, embora sua sobrinha,<br />

uma moça bela, e portanto uma rival que chegava. A mulher infeliz e abatida ce<strong>de</strong>u<br />

o lugar à senhora das festas e dos prazeres; a verda<strong>de</strong> foi abafada; a mentira ergueuse.<br />

Celina entrou, Mariana mostrou-lhe com o <strong>de</strong>do, e com graça indizível, uma<br />

ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>fronte <strong>de</strong>la; e, vendo-a assentada, esteve por alguns momentos<br />

contemplando-a com expressão <strong>de</strong> enlevamento e prazer, até que a “Bela Órfã”,<br />

como para escapar àquele olhar, perguntou:<br />

– Por que me está olhando assim, minha tia?...<br />

– Oh! porque tu és a minha vaida<strong>de</strong>, Celina! Olha, quando te contemplo...<br />

lembro-me do que fui... parece-me que ainda estou nos <strong>de</strong>zesseis anos <strong>de</strong>fronte do<br />

meu toucador, rindo-me vaidosa e louquinha, contente <strong>de</strong> mim mesma mãe e<br />

namorada <strong>de</strong> meus próprios encantos.<br />

– Senhora...<br />

– Não é verda<strong>de</strong> que dizem por aí que eu fui bem formosa?<br />

– Dizem que minha tia ainda o é.<br />

– Lisonjeira!... oh! mas enfim, eu conheço que não <strong>de</strong>vo assustar a ninguém.<br />

– Então...<br />

– Todavia os <strong>de</strong>zesseis anos! os <strong>de</strong>zesseis anos! nesse tempo se está na flor da<br />

vida e no viço das graças! ninguém é feio aos <strong>de</strong>zesseis anos!<br />

Depois <strong>de</strong> alguns instantes <strong>de</strong> silêncio a viúva prosseguiu dizendo:<br />

– Para mim a vida <strong>de</strong> prazer e <strong>de</strong> encantos está em vésperas <strong>de</strong> acabar; para ti<br />

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