OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
dívida imensa que te ficara <strong>de</strong>vendo. Suspirava pela liberda<strong>de</strong> para salvar-te;<br />
sabendo que sorrias no mundo, que sorrias, mulher, tu que <strong>de</strong>vias chorar, o infeliz<br />
chorava em dobro... chorava por ti... e por si.<br />
Mariana não disse nada; conhecia-se porém que estava sofrendo muito.<br />
– No entretanto, prosseguiu o velho Rodrigues, o tempo corria... as<br />
perseguições continuavam, a assembléia constituinte tinha sido dissolvida... os mais<br />
extremados patriotas <strong>de</strong>portados. Leandro não podia ainda aparecer. Foi então que<br />
soubemos que Mariana havia <strong>de</strong>ixado a corte para passar algum tempo com uma<br />
velha parenta estabelecida na roça. Compreen<strong>de</strong>mos o fim da viagem, e um dos<br />
amigos <strong>de</strong> Leandro, eu, senhora, fui encarregado <strong>de</strong> seguir Mariana. Compenetreime<br />
da <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za <strong>de</strong> minha missão, e, <strong>de</strong>cidido a tudo arrostar, tive uma conferência<br />
particular com a velha parenta da amante <strong>de</strong> Leandro.<br />
– Basta! balbuciou Mariana; vejo que nada ignora... nem do que falta... mas<br />
basta.<br />
Sorriu tristemente o velho, e prosseguiu:<br />
– Rodrigues e a velha parenta <strong>de</strong>ram-se as mãos, e velaram <strong>de</strong> comum acordo;<br />
e queres saber, mulher, qual foi o primeiro resultado <strong>de</strong>ssa vigilância?.. foi<br />
<strong>de</strong>scobrir-se que havia em uma das gavetas do toucador <strong>de</strong> Mariana um frasquinho<br />
cheio <strong>de</strong> um líquido sinistro... a décima parte <strong>de</strong>sse líquido contido no frasquinho<br />
sobejava para afogar uma criança... e a mãe <strong>de</strong>ssa criança também.<br />
– Oh!...<br />
– Pois, passado um mês, Mariana fez a sua primeira experiência; bebeu a<br />
décima parte daquele líquido, e, contra sua expectativa, passou às mil maravilhas.<br />
– Senhor...<br />
– Passado outro mês... segunda tentativa; e o mesmo resultado ainda...<br />
– Então...<br />
– Ah! o outro mês era realmente para temer-se. A mulher louca e vaidosa<br />
empunhou o frasquinho, levou-o aos lábios, e esvaziou-o todo. Devia ser a morte o<br />
que ela tinha bebido.<br />
– Meu Deus!...<br />
– Ao anoitecer... dores... ânsias horríveis... no fim <strong>de</strong> algumas horas perda<br />
completa <strong>de</strong> sentidos... ficou como morta.<br />
– Oh!... por que não morri, meu Deus?!<br />
– Senhora, quando aquela mulher abriu outra vez os olhos, a natureza falou<br />
antes da vaida<strong>de</strong>. Ela abriu os olhos e exclamou com dor imensa: – meu filho!... – e<br />
a velha parenta, que a pouca distância a observava tristemente, respon<strong>de</strong>u: – nasceu<br />
morto.<br />
– Ah!...<br />
– Porém no dia seguinte, às onze horas da noite, senhora, a borrasca<br />
ribombava... a chuva caía... os elementos estavam <strong>de</strong>senfreados... e um homem<br />
envolvido em longa capa negra foi bater à porta <strong>de</strong> uma pobre casa na cida<strong>de</strong> do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Dentro <strong>de</strong>ssa casa estavam rezando aos pés <strong>de</strong> Nossa Senhora das Dores<br />
240