OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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mas <strong>de</strong>ra-lhe a natureza, com um gênio alegre e brincador, com uma tendência para<br />
faceirice e ambição <strong>de</strong> agradar, tanto talento, tanta viveza e tão fino instinto para<br />
viver no mundo e conhecê-lo, que pouco mais <strong>de</strong> quatro anos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong><br />
assembléias, <strong>de</strong> teatros e <strong>de</strong> reuniões tinham sido <strong>de</strong> sobra para ela dissecar a<br />
socieda<strong>de</strong> e suficientemente apreciá-la no que na socieda<strong>de</strong> há <strong>de</strong> relativo a uma<br />
moça bonita e solteira.<br />
Mariquinhas tinha mesmo orgulho do que ela chamava – sua experiência.<br />
Discernia com suma habilida<strong>de</strong> a simples <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za do galanteio, o galanteio da<br />
paixão que se improvisa, e a paixão que se improvisa do verda<strong>de</strong>iro amor.<br />
Com sua experiência, pois, ela adivinhara que Celina estava já pagando o seu<br />
tributo <strong>de</strong> coração; e vindo nesta tar<strong>de</strong> ouvi-la confi<strong>de</strong>ncialmente, não quis esperar<br />
que sua amiga começasse a falar.<br />
Conheceu que a “Bela Órfã” se achava perturbada e vergonhosa; e, querendo<br />
antes levá-la sem sentir ao principal objeto que as reunia do que começar logo a<br />
tratar <strong>de</strong>le, dirigiu-lhe a palavra em primeiro lugar:<br />
– Estamos aqui mais à vonta<strong>de</strong>, d. Celina; creio que ninguém nos virá<br />
perturbar...<br />
– Ninguém...<br />
– É que as moças têm mais necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conversar em segredo do que os<br />
homens; creio mesmo que <strong>de</strong> cada vez que uma moça solteira fala à vista <strong>de</strong> muita<br />
gente não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>correr seu perigo.<br />
– Mas por quê?...<br />
– Ora... porque vivemos em um mundo notável, principalmente por suas<br />
contradições a respeito <strong>de</strong> nós outras. Dizem que somos fracas e frágeis; por<br />
conseqüência não é verda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria haver muita <strong>de</strong>sculpa para nossos erros?...<br />
– Sim.<br />
– Pois a nós é que se não perdoam tênues faltas; uma levianda<strong>de</strong> é quase um<br />
crime. E às vezes uma simples palavra dita com a maior inocência <strong>de</strong>ste mundo<br />
<strong>de</strong>safia escarcéus tais, que é melhor não falar, d. Celina.<br />
– Oh! parece que é assim.<br />
– Ah! os homens e as mulheres!... olha; as aparências são em verda<strong>de</strong> todas<br />
em nosso favor. Somos flores que se cultivam, belas estátuas que se admiram, lindas<br />
santinhas que se adoram... nas aparências, d. Celina.<br />
– E a realida<strong>de</strong>?<br />
– Oh!... isso é outra coisa. Os homens enten<strong>de</strong>ram lá a seu modo a teoria das<br />
compensações; bem vês que nos não podiam dar tudo... guardaram o bom para si.<br />
Ninguém os chamará tolos por isso.<br />
– E nós somos então...<br />
– Ora... nós?... nós somos o que eles querem que nós sejamos; também!...<br />
olha, d. Celina, durmo todas as noites com um sossego que não há igual.<br />
– E todavia ninguém dirá que isso se passa assim.<br />
– Em parte nós temos a culpa.<br />
– Como?<br />
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