18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

mas <strong>de</strong>ra-lhe a natureza, com um gênio alegre e brincador, com uma tendência para<br />

faceirice e ambição <strong>de</strong> agradar, tanto talento, tanta viveza e tão fino instinto para<br />

viver no mundo e conhecê-lo, que pouco mais <strong>de</strong> quatro anos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong><br />

assembléias, <strong>de</strong> teatros e <strong>de</strong> reuniões tinham sido <strong>de</strong> sobra para ela dissecar a<br />

socieda<strong>de</strong> e suficientemente apreciá-la no que na socieda<strong>de</strong> há <strong>de</strong> relativo a uma<br />

moça bonita e solteira.<br />

Mariquinhas tinha mesmo orgulho do que ela chamava – sua experiência.<br />

Discernia com suma habilida<strong>de</strong> a simples <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za do galanteio, o galanteio da<br />

paixão que se improvisa, e a paixão que se improvisa do verda<strong>de</strong>iro amor.<br />

Com sua experiência, pois, ela adivinhara que Celina estava já pagando o seu<br />

tributo <strong>de</strong> coração; e vindo nesta tar<strong>de</strong> ouvi-la confi<strong>de</strong>ncialmente, não quis esperar<br />

que sua amiga começasse a falar.<br />

Conheceu que a “Bela Órfã” se achava perturbada e vergonhosa; e, querendo<br />

antes levá-la sem sentir ao principal objeto que as reunia do que começar logo a<br />

tratar <strong>de</strong>le, dirigiu-lhe a palavra em primeiro lugar:<br />

– Estamos aqui mais à vonta<strong>de</strong>, d. Celina; creio que ninguém nos virá<br />

perturbar...<br />

– Ninguém...<br />

– É que as moças têm mais necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conversar em segredo do que os<br />

homens; creio mesmo que <strong>de</strong> cada vez que uma moça solteira fala à vista <strong>de</strong> muita<br />

gente não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>correr seu perigo.<br />

– Mas por quê?...<br />

– Ora... porque vivemos em um mundo notável, principalmente por suas<br />

contradições a respeito <strong>de</strong> nós outras. Dizem que somos fracas e frágeis; por<br />

conseqüência não é verda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria haver muita <strong>de</strong>sculpa para nossos erros?...<br />

– Sim.<br />

– Pois a nós é que se não perdoam tênues faltas; uma levianda<strong>de</strong> é quase um<br />

crime. E às vezes uma simples palavra dita com a maior inocência <strong>de</strong>ste mundo<br />

<strong>de</strong>safia escarcéus tais, que é melhor não falar, d. Celina.<br />

– Oh! parece que é assim.<br />

– Ah! os homens e as mulheres!... olha; as aparências são em verda<strong>de</strong> todas<br />

em nosso favor. Somos flores que se cultivam, belas estátuas que se admiram, lindas<br />

santinhas que se adoram... nas aparências, d. Celina.<br />

– E a realida<strong>de</strong>?<br />

– Oh!... isso é outra coisa. Os homens enten<strong>de</strong>ram lá a seu modo a teoria das<br />

compensações; bem vês que nos não podiam dar tudo... guardaram o bom para si.<br />

Ninguém os chamará tolos por isso.<br />

– E nós somos então...<br />

– Ora... nós?... nós somos o que eles querem que nós sejamos; também!...<br />

olha, d. Celina, durmo todas as noites com um sossego que não há igual.<br />

– E todavia ninguém dirá que isso se passa assim.<br />

– Em parte nós temos a culpa.<br />

– Como?<br />

144

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!