OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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é agora que começa. A primavera da ida<strong>de</strong> com esse rosto tão belo, com esse olhar<br />
tão puro, Celina, faz sempre as <strong>de</strong>lícias da mulher. Ainda não sentiste que para ti são<br />
guardadas todas as atenções?... ainda não notaste como te olham ar<strong>de</strong>ntes, como te<br />
falam tremendo, como te escutam em êxtase? Celina, aí está a prova solene <strong>de</strong> tua<br />
formosura. A moça bela é o <strong>de</strong>lírio do mundo. Ah! que se aos <strong>de</strong>zesseis anos tivesse<br />
a mulher a experiência dos trinta, então com a beleza conseguiria tudo... honra...<br />
fortuna... posição... tudo!...<br />
– Ainda bem, minha tia, que as moças não são ambiciosas.<br />
– Não, não o são. O amor as ocupa <strong>de</strong>mais para que elas o fossem.<br />
Embriagadas com os <strong>de</strong>leitosos perfumes que vêm ar<strong>de</strong>r a seus pés; cheios os<br />
ouvidos <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> lisonjas; a cada passo que dão ouvindo uma exclamação <strong>de</strong><br />
agradável surpresa; no teatro sentindo cem óculos lançados sobre seus rostos; em<br />
toda parte vendo adoradores escravos; e em breve tendo mesmo já no coração uma<br />
simpatia que vai crescendo e acaba por amor; elas não têm, elas não po<strong>de</strong>m ter outra<br />
idéia que não seja a <strong>de</strong> ser belas, outro <strong>de</strong>sejo que não seja o <strong>de</strong> ser amadas, e outro<br />
futuro que não seja tudo esperado <strong>de</strong> um amor com que elas sonham <strong>de</strong> dia e <strong>de</strong><br />
noite, e que, <strong>de</strong>sgraçadamente, não se realiza nunca.<br />
– Nunca?...<br />
– Nunca, Celina.<br />
A “Bela Órfã”, suspirou involuntariamente.<br />
– Já suspiras, Celina?... quem sabe se eu não estive fazendo o teu retrato?...<br />
pois bem; sou tua tia... quase tua tutora, e portanto <strong>de</strong>vo aconselhar-te; mas para<br />
bem fazê-lo preciso é antes ganhar uma confiança <strong>de</strong> que ainda não me julgaste<br />
merecedora, entrar no teu coração, ver o que nele se passa, para <strong>de</strong>pois dizer o que<br />
convém.<br />
Mariana, fingindo ignorar o segredo <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> sua sobrinha, queria levá-la<br />
pouco a pouco a um fim que tinha no pensamento, e pelo qual promovera aquela<br />
conferência.<br />
Porém Celina <strong>de</strong>sconfiava <strong>de</strong> sua tia; guardou mais que nunca o seu segredo,<br />
e nada respon<strong>de</strong>u.<br />
– Então ficas muda?... perguntou a viúva. Será possível que penses em fazerme<br />
crer que ainda não sonhas belos sonhos <strong>de</strong> amor, tendo já <strong>de</strong>zesseis anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>?...<br />
– Muito moça ainda, não é assim?<br />
– Por certo que não és nenhuma velha; e contudo estás em ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casar.<br />
– Tão cedo?...<br />
– Não no nosso país, Celina, on<strong>de</strong> tudo é rápido e precoce. Enfim, eu sou tua<br />
tia, meu pai é teu tutor, e por <strong>de</strong>ver santo e respeitável <strong>de</strong>vo procurar para ti um<br />
estado... uma posição.<br />
– Obrigada, minha tia.<br />
– Temos entendido que é tempo <strong>de</strong> te casar, não só para fazer a tua ventura,<br />
como para completar a nossa missão e conseguir o nosso sossego.<br />
– Para o vosso sossego... eu creio, mas para minha ventura!...<br />
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