OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
– Um crime que horroriza a natureza... um crime pelo qual a justiça <strong>de</strong> Deus<br />
há <strong>de</strong> con<strong>de</strong>ná-la a penas terríveis, e a justiça dos homens po<strong>de</strong> arrastá-la ao banco<br />
dos con<strong>de</strong>nados, ao cárcere, ao patíbulo mesmo!<br />
– Senhor...<br />
– Oh! quem diria que esta mulher orgulhosa e insolente, que se apresenta em<br />
toda a parte com a cabeça tão levantada, carrega sobre a cabeça o mais horrível dos<br />
crimes?.<br />
– Miserável!<br />
– Sim... sim... miserável embora; mas este miserável po<strong>de</strong> aparecer com o<br />
rosto <strong>de</strong>scoberto!... senhora, tudo está <strong>de</strong>cidido: eu rompo o seu casamento, eu mato<br />
a sua ventura, eu me vingo!<br />
Mariana arquejava.<br />
– Primeiro irei ter com o homem que loucamente a ama, e mostrar-lhe-ei a sua<br />
carta... ou... se não... ah!... que idéia!..<br />
O mancebo soltou uma risada. Mariana não achou em seu furor uma palavra<br />
para dizer-lhe.<br />
– Tudo po<strong>de</strong> acabar em paz, minha senhora, disse com fingida amabilida<strong>de</strong><br />
Salustiano: não haverá nem banco <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nados, nem cárcere, e muito menos<br />
patíbulo; a senhora casar-se-á com aquele que ama, e eu <strong>de</strong>sposarei a jovem que<br />
adoro.<br />
Mariana ficou olhando, e o terrível moço prosseguiu:<br />
– Dispenso também a sua intervenção; achei um belo meio... que estupi<strong>de</strong>z a<br />
minha!... <strong>de</strong>veria tê-lo há mais tempo lembrado. Aparece apenas um inconveniente:<br />
há um velho que talvez morra <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgosto... paciência.<br />
Mariana estremeceu.<br />
– Amanhã, senhora, terei uma hora <strong>de</strong> conferência com o honrado, austero e<br />
amoroso sr. Anacleto. Quando eu o <strong>de</strong>ixar só levarei a certeza <strong>de</strong> ser o esposo <strong>de</strong><br />
Celina, e ele ficará mudo e terrível, pálido como um cadáver, e se falar, falará para<br />
amaldiçoar sua filha.<br />
– Oh!...<br />
– Porque ele há <strong>de</strong> saber (há <strong>de</strong> saber pela própria letra da senhora), que a<br />
filha <strong>de</strong> seu coração, que a orgulhosa e bela Mariana, no meio das mil loucuras <strong>de</strong><br />
seus primeiros anos, amou um homem... e amou tanto... tanto... tanto... que per<strong>de</strong>use<br />
por ele!...<br />
Mariana escon<strong>de</strong>u o rosto entre as mãos.<br />
– Há <strong>de</strong> saber mais, que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cometida a primeira falta, cometeu ainda<br />
um crime abominável; há <strong>de</strong> saber que sua filha, em resultado <strong>de</strong> um momento <strong>de</strong><br />
embriaguez, tinha <strong>de</strong> ser mãe; que inspirada pelo <strong>de</strong>mônio, não o foi; não foi mãe...<br />
porque... porque...<br />
– Oh!... bradou Mariana.<br />
– Porque matou seu filho.<br />
Suce<strong>de</strong>ram a essas terríveis palavras alguns momentos <strong>de</strong> silêncio. Mariana<br />
estava convulsa, tinha os lábios pálidos, o rosto cadavérico, as mãos estendidas para<br />
179