OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
uma mulher velha e uma escrava. A porta foi aberta; o homem entrou, lançou a capa<br />
fora <strong>de</strong> seus ombros, e em nome da Santíssima Virgem Mãe <strong>de</strong> Deus, aquela mulher<br />
recebeu e adotou uma criança recém-nascida.<br />
– E essa criança?... exclamou Mariana com um grito <strong>de</strong>sesperado.<br />
– Era teu filho, Mariana!<br />
A viúva soltou um brado arrancado do âmago do coração, e caiu aos pés do<br />
velho Rodrigues.<br />
– O licor do sinistro frasquinho havia sido trocado.<br />
– Meu filho!... meu filho!... bradava a pobre senhora.<br />
– Mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Leandro soube que a alma <strong>de</strong> Mariana concebera o horrível<br />
pensamento <strong>de</strong> um infanticídio, e tratara <strong>de</strong> realizá-lo, aborreceu-a tanto quanto a<br />
havia amado.<br />
– E meu filho?... on<strong>de</strong> está meu filho?... perguntava Mariana<br />
<strong>de</strong>sesperadamente.<br />
– Essa criança foi criada com <strong>de</strong>svelo e ternura; nada lhe faltou nunca... ao<br />
sair da infância partiu para a Europa...<br />
– Educava-se lá quando seu pai morreu...<br />
– E meu filho?<br />
– Na véspera do dia <strong>de</strong> sua morte, Leandro fez sair todos <strong>de</strong> seu quarto, e<br />
ficou só com seus dois amigos. “João, Rodrigues, eu vou <strong>de</strong>ixar-vos o meu filho. Eu<br />
podia fazer testamento, e reconhecer por meu filho esse pobre inocente, que ambos<br />
conheceis. Mas ele po<strong>de</strong> morrer antes <strong>de</strong> chegar à ida<strong>de</strong> em que <strong>de</strong>verá receber a<br />
herança que lhe compete, e eu teria infrutiferamente publicado um erro <strong>de</strong> minha<br />
mocida<strong>de</strong>, e dado assim a conhecer a uma mãe <strong>de</strong>snaturada o filho, que ela pensa ter<br />
assassinado. Pensei melhor, quanto a mim.” Leandro mandou-nos abrir na gaveta e<br />
tirar <strong>de</strong>la um papel que <strong>de</strong>signou, uma carta que estava fechada. “Eis aqui,<br />
continuou ele, uma carta que fareis chegar cautelosamente às mãos da filha <strong>de</strong><br />
Anacleto. Vai aí <strong>de</strong>ntro toda a nossa correspondência do tempo <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong><br />
esperança. Agora este papel, meus amigos, é a última prova que vos dou da minha<br />
amiza<strong>de</strong>. Este papel é o escrito <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> meu filho, que vós i<strong>de</strong>s assinar<br />
como testemunhas, guardar para <strong>de</strong>positar em suas mãos, quando ele fizer vinte e<br />
um anos.” João e eu assinamos e guardamos então o escrito <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong><br />
teu filho, mulher.<br />
– Oh! exclamou Mariana; mas que me importa isso?... que tenho eu com essa<br />
história? ouviu, senhor, eu quero meu filho!<br />
– Leandro morreu, senhora, continuou Rodrigues sem aten<strong>de</strong>r a Mariana; e<br />
ficaram seus dois amigos velando sempre sobre o pobre moço. Ele voltou da<br />
Europa, e eu tive o pensamento <strong>de</strong> trazê-lo ao teto em que morava a sua mãe.<br />
– Oh! sim!... sim!... disse a viúva com as mãos postas.<br />
– Para consegui-lo vim aqui pedir, como um pobre velho sem meios, o lugar<br />
<strong>de</strong> guarda-portão do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa. Dali, daquele alpendre, velei por teu filho,<br />
mulher! dali, daquele alpendre, concebi o projeto <strong>de</strong> trazê-lo para junto <strong>de</strong> sua mãe,<br />
fazendo-o esposo da mais bela das virgens, esposo <strong>de</strong> Celina...<br />
241