18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

achava para minorar seus sofrimentos o nosso pobre amigo, era vir <strong>de</strong>positar suas<br />

mágoas em nossos corações, e ir chorá-las ao pé <strong>de</strong> minha irmã.<br />

O velho respirou, e <strong>de</strong>pois disse ainda:<br />

– Tua mãe, mancebo, aborreceu os amigos <strong>de</strong> teu pai: ciumenta e louca, viu<br />

uma rival em minha irmã, e inspirada pelo <strong>de</strong>mônio, esquecida <strong>de</strong> tudo quanto é<br />

nobre e generoso, concebeu um pensamento infame!...<br />

– Senhor!<br />

– Na manhã <strong>de</strong> um domingo, <strong>de</strong>pois do sacrifício da missa, que se celebrava<br />

na capela da fazenda <strong>de</strong> Leandro, estando a casa cheia, diante <strong>de</strong> meu irmão e <strong>de</strong><br />

mim, mesmo à vista <strong>de</strong> seu marido, ela enxotou <strong>de</strong> sua casa a minha irmã, cobrindoa<br />

<strong>de</strong> impropérios e <strong>de</strong> maldições, dizendo contra ela calúnias que a nodoavam! Oh!<br />

sim, mancebo, a língua <strong>de</strong> tua mãe <strong>de</strong>sonrou a minha irmã! Disse que uma virgem<br />

era uma mulher impura!... Disse que seu marido a <strong>de</strong>sprezava por minha irmã...<br />

Disse tudo... tudo... disse tanto, que Emília caiu <strong>de</strong>smaiada nos meus braços.<br />

Salustiano não pronunciou uma só palavra em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua mãe. O velho<br />

continuou:<br />

– Levamos a pobre moça <strong>de</strong>smaiada como estava para nossa casa. Mancebo,<br />

quando minha irmã tornou a si, estava doida! Infeliz! Vagava horas inteiras e sem<br />

cessar, interrompendo-se apenas para levantar a voz bradando – é falso!... – e<br />

vagava <strong>de</strong> novo, corria ajoelhando-se, erguia as mãos ao céu, e bradava – é falso! –<br />

lançava-se em nossos braços, chorava, soluçava, e por entre seus soluços <strong>de</strong>ixava<br />

escapar o seu grito <strong>de</strong> inocência – é falso. – Ah! mancebo! mancebo!... um mês<br />

inteiro se passou <strong>de</strong>sse modo, e no fim <strong>de</strong>sse mês ela expirou em nossos braços<br />

murmurando ainda a triste frase – é falso! – Mancebo! mancebo! quem fez<br />

enlouquecer, quem fez morrer nossa irmã?...<br />

Salustiano não respon<strong>de</strong>u nada.<br />

– Foi tua mãe. Pois bem: a Providência tomou o cuidado <strong>de</strong> vingar-nos;<br />

Matil<strong>de</strong> não gozou o doce prazer <strong>de</strong> beijar seu filho. Mancebo, tu custaste a vida <strong>de</strong><br />

tua mãe; ela morreu alguns momentos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> te haver dado à luz.<br />

– Infeliz! balbuciou Salustiano.<br />

– E em nossos corações, prosseguiu o velho, a santa e imaculada amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cem anos teve força bastante para fazer com que João e Rodrigues carregassem ao<br />

colo o filho da assassina <strong>de</strong> Emília. Sim! porque o filho <strong>de</strong> Matil<strong>de</strong> era também <strong>de</strong><br />

Leandro. Mas o nosso amigo tinha recebido terríveis golpes; a lembrança <strong>de</strong> Emília<br />

o atormentava; a morte <strong>de</strong> sua mulher, que apesar <strong>de</strong> tudo ele amara<br />

extremosamente, veio aumentar seus pesares; lembrou-se da corte, sempre cheia <strong>de</strong><br />

ruído, <strong>de</strong> festas e <strong>de</strong> prazeres, e enfim, resolveu-se a <strong>de</strong>ixar a vida do campo.<br />

Ven<strong>de</strong>mos quanto possuíamos, e viemos estabelecer-nos aqui. Mancebo, o resto <strong>de</strong><br />

nossa vida tu sabes... é uma história <strong>de</strong> vinte e cinco anos <strong>de</strong> cuidados gastos<br />

contigo, pois que tinhas apenas um ano quando <strong>de</strong>ixaste os campos on<strong>de</strong> nasceste.<br />

Dize pois, não te lembras nunca do amor com que te tratavam os dois amigos <strong>de</strong> teu<br />

pai?...<br />

– Senhor...<br />

215

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!