OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
– Esperaste muito?<br />
– Não, há um quarto <strong>de</strong> hora, apenas.<br />
– Que diabo! temos assim uns encontros, que melhor caberiam a dois ladrões,<br />
ou a dois namorados.<br />
O guarda-portão sorriu e levantou os ombros, como quem queria dizer: – que<br />
nos importa?<br />
– Conversemos, disse o recém-chegado: que novida<strong>de</strong>s há?<br />
– Que mau costume! murmurou Rodrigues; falas sempre com voz tão alta!<br />
– Pois então que há?...<br />
– Apenas um curioso que nos espreita.<br />
– E on<strong>de</strong> está então essa peça?<br />
Rodrigues apontou para Jacó, que fingia ressonar.<br />
– Ora... é um pobre mendigo.<br />
– Cala-te; é nada menos do que o celebre Jacó, que em outro tempo<br />
conheceste bem, e que hoje é meu vizinho, e tomou por sua conta espreitar todos os<br />
meus passos.<br />
– Ui!... pois <strong>de</strong>veras?...<br />
– Sem a menor dúvida.<br />
– Vamos pô-lo dali para fora a pontapés.<br />
– Para quê? basta que falemos baixo. Tenho pouco que dizer-te.<br />
– Tens razão, tanto mais que me suponho em vésperas <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong> novo<br />
conhecimento com ele.<br />
– Como?...<br />
– Vi-o entrar o mês passado lá em casa.<br />
– E com que fim?...<br />
– Não sei, mas hei <strong>de</strong> sabê-lo.<br />
– É preciso.<br />
– Vamos ao principal: conta-me o que há.<br />
– Sim, porém torno a dizer-te que fales mais baixo.<br />
Jacó não tinha até então percebido uma só palavra; apenas lhe chegava aos<br />
ouvidos um leve ruído; mas daí por diante ainda menos do que isso ouviu. João e<br />
Rodrigues eram para ele como dois mudos sentados ao lado um do outro.<br />
Arrepen<strong>de</strong>u-se <strong>de</strong> haver seguido o velho guarda-portão, e a posição incômoda que<br />
tomara era como um castigo <strong>de</strong> sua insana curiosida<strong>de</strong>.<br />
Os dois velhos amigos começaram a falar um com o outro em voz muito<br />
baixa.<br />
– Então o que há?... repetiu João.<br />
– Realizam-se minhas previsões.<br />
– Amam-se?...<br />
– Ele, como um louco, como um rapaz <strong>de</strong> vinte anos, que ama pela primeira<br />
vez.<br />
– E ela?...<br />
– Ou já o ama também, ou está em muito bom caminho para chegar a isso.<br />
94