OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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– Oh! mas eu compreendo o que po<strong>de</strong>rá fazer uma pena manejada por quem<br />
<strong>de</strong>ve à natureza tanto espírito como V. Exa.<br />
– Agra<strong>de</strong>cida.<br />
– Creia V. Exa. que faz um relevante serviço à tão atrasada literatura do país.<br />
– Muito agra<strong>de</strong>cida, respon<strong>de</strong>u Mariquinhas rindo-se, e sem dar mostras <strong>de</strong><br />
doer-se da ironia com que Salustiano tentava feri-la.<br />
– Era uma necessida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito palpitava, tornou Salustiano; o céu<br />
<strong>de</strong>via ao Brasil uma Stael, uma George Sand.<br />
– Mil vezes agra<strong>de</strong>cida; mas então V. Sa. não quer ouvir o nosso romance?<br />
– Estou pronto, minha senhora.<br />
– Trata-se <strong>de</strong> amor.<br />
– Eu o previa.<br />
– É uma jovem senhora <strong>de</strong> cabelos castanhos quase pretos, olhos <strong>de</strong> safira,<br />
lábios <strong>de</strong> coral, rosto pálido, enfim, uma jovem senhora bela e muito parecida com<br />
d. Celina.<br />
– D. Mariquinhas, basta!... isso é quase <strong>de</strong>mais! disse a “Bela Órfã”.<br />
– Quem fez a pintura da moça fui eu, e portanto posso falar. A respeito do<br />
protagonista falará então você.<br />
– Continue, minha senhora.<br />
– Pois bem: essa moça, a quem eu ainda não <strong>de</strong>i nome, ama um jovem<br />
mo<strong>de</strong>sto e bonito, e é por ele apaixonadamente amada; mas o jovem é pobre e<br />
acredita que sua pobreza é um muro <strong>de</strong> bronze erguido entre ele e a bela <strong>de</strong> seus<br />
pensamentos.<br />
Salustiano empali<strong>de</strong>ceu sem querer, ouvindo as últimas palavras <strong>de</strong><br />
Mariquinhas. Começava a compreen<strong>de</strong>r o que queria dizer aquele romance.<br />
– Acha-se incomodado?... perguntou Mariquinhas encarando Salustiano.<br />
– Oh! não! pelo contrário,..<br />
– Cheguei a pensá-lo, sr. Salustiano, porque V. Sa. mudou <strong>de</strong> cor.<br />
O mancebo serenou, e respon<strong>de</strong>u sorrindo:<br />
– Ah! foi efeito da interessante narração <strong>de</strong> V. Exa. Sensibilizei-me...<br />
realmente o seu romance é muito sentimental... toca no coração.<br />
– Sim.. sim, tornou a moça; eu creio bem que ele tocará o coração <strong>de</strong> V. Sa.<br />
– Mas, concluiu-se?...<br />
– Certamente que não; ficaria sem sentido, sem pés nem cabeça.<br />
– Era mesmo assim excelente... estava na moda; porém já que o romance não<br />
termina aí, quererá V. Exa. ter a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar-me o resto?<br />
– Pois não! com sumo prazer; temos, como eu dizia, uma moça bela e um<br />
jovem pobre que se amam muito... romanescamente; até aí não há senão um idílio;<br />
imaginamos pois, imaginamos não, foi d. Celina quem imaginou uma espécie <strong>de</strong><br />
tirano <strong>de</strong> comédia, um outro namorado da heroína, um mancebo rico, honrado, e<br />
vaidoso <strong>de</strong> sua fortuna, que se vem erguer como uma barreira terrível entre os dois<br />
amantes.<br />
Celina apertava a mão <strong>de</strong> Mariquinhas <strong>de</strong> instante a instante; mas não se<br />
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