OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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<strong>de</strong>speito e vergonha.<br />
– Eu não irei lá nunca mais... exclamou.<br />
– Nunca mais?...<br />
– E se lá tornasse merecia que me lançassem longe da porta como a um cão.<br />
– Cândido!...<br />
– Eu não irei lá nunca mais! repetiu com veemência o mancebo.<br />
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E estava cumprindo à risca o seu propósito; dois serões haviam tido lugar<br />
<strong>de</strong>pois da noite dos anos <strong>de</strong> Celina, e Cândido tinha faltado a ambos.<br />
No começo da noite que se seguiu à do segundo serão, achava-se Cândido<br />
<strong>de</strong>scansando no sótão do “Purgatório-trigueiro”, quando a velha escrava <strong>de</strong> Irias lhe<br />
anunciou o sr. Anacleto.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XXIV<br />
A MOÇA E O VELHO<br />
O VIVER da “Bela Órfã” estava sofrendo notáveis modificações.<br />
Des<strong>de</strong> que Cândido <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> aparecer no “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”, tornou-se mais<br />
constante e profunda a melancolia da moça.<br />
De ordinário escondida no seu quarto, Celina comparava seus curtos dias <strong>de</strong><br />
um amor nascente, com aqueles que estava passando <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> dúvida, e<br />
conseqüentemente misturava sauda<strong>de</strong>s com lágrimas.<br />
Os pesares <strong>de</strong>sta or<strong>de</strong>m são mil vezes mais fortes e cruéis na mulher do que<br />
no homem, porque a socieda<strong>de</strong> impõe à mulher o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> calar, e o homem po<strong>de</strong><br />
sem corar <strong>de</strong>sabafar-se contando-os, <strong>de</strong>rramando-os na alma <strong>de</strong> um amigo. Ela<br />
portanto concentra a sua dor, revolve-se nela, <strong>de</strong>vora-a em silêncio, o que dói mais<br />
certamente.<br />
Sucedia isso a Celina. Apesar da amiza<strong>de</strong> com que sua tia a tratava, não podia<br />
a moça esquecer-se da diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que havia entre ela e Mariana, e por isso,<br />
ainda quando preten<strong>de</strong>sse confiar a alguém os seus pesares, não se animaria nunca a<br />
escolher a viúva para confi<strong>de</strong>nte.<br />
Em resultado a “Bela Órfã” fugia <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos para viver com seu<br />
segredo, para pensar somente nesse amor que tão sem sentir lhe nascera no peito.<br />
Todos os seus antigos e mais preferidos entretenimentos estavam esquecidos.<br />
O piano não mais se abria, as músicas <strong>de</strong>scansavam, os livros tinham sido<br />
aborrecidos; porque também às vezes a pobrezinha, preten<strong>de</strong>ndo vencer-se, tomava<br />
um romance, lia uma página inteira, e no fim <strong>de</strong>la, conhecia que lhe era preciso ler<br />
outra vez, porque sua atenção se distraíra, mas a leitura se repetia uma e <strong>de</strong>z vezes e<br />
o resultado era sempre o mesmo. Lia apenas com os olhos... com o pensamento não<br />
podia.<br />
Era melhor não ler.<br />
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