OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
contra o peito, e com os olhos cravados no chão, começou a falar:<br />
– Senhor, senhor, o que eu lhe venho dizer e pedir não se diz, não se pe<strong>de</strong><br />
senão a um homem <strong>de</strong> honra, <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> religião.<br />
– Fale, senhora.<br />
– Eu <strong>de</strong>vo parecer-lhe uma mulher má e intrigante; e todavia eu sou apenas<br />
muito <strong>de</strong>sgraçada; ouça-me como um padre ouve no confessionário.<br />
– Fale sem receio, minha senhora.<br />
– Senhor... ia dizendo Mariana.<br />
– Espere, disse Cândido interrompendo-a.<br />
– A viúva levantou a cabeça, e por entre suas lágrimas viu o mancebo<br />
dirigir-se à escada e examinar se alguém os escutava. Abaixou <strong>de</strong> novo a<br />
cabeça quando Cândido voltava para ouvi-la.<br />
– Estamos sós; po<strong>de</strong> falar.<br />
Mariana principiou então a dizer com voz trêmula:<br />
– Na primavera <strong>de</strong> minha vida, senhor, eu fui tida por formosa, e conhecia-me<br />
por sensível. Amei... a história do meu amor começa como todas as do mesmo<br />
gênero; mas acaba como as mais <strong>de</strong>sgraçadas. Seduziram-me, senhor... e<br />
abandonaram-me! oh! mas o meu infortúnio se tornou mais doloroso hoje porque sei<br />
que uma <strong>de</strong> minhas cartas, exatamente uma em que eu lançava em rosto ao meu<br />
sedutor o estado em que me <strong>de</strong>ixava, caiu nas mãos <strong>de</strong> um homem sem<br />
generosida<strong>de</strong> e sem nobreza, que com ela joga contra mim.<br />
– Oh! esse miserável..<br />
– O senhor o conhece; é um mancebo que freqüenta nossa casa; é...<br />
– Salustiano...<br />
– Esse mesmo. Oh senhor! que procedimento abominável o <strong>de</strong>sse presumido<br />
jovem!... eu esqueço tudo quanto se tem passado entre nós dois, para dizer somente<br />
a minha <strong>de</strong>sgraça.<br />
– Relação comigo? exclamou Cândido.<br />
– Salustiano, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito tempo que ama minha sobrinha, e que <strong>de</strong>bal<strong>de</strong><br />
trabalha por se fazer amado. Ultimamente, com seus olhos <strong>de</strong> amante zeloso,<br />
<strong>de</strong>scobriu que Celina já amava... oh! adivinhou a verda<strong>de</strong>: o senhor sabe a quem<br />
minha sobrinha amava.<br />
– Ah! senhora.<br />
– Não o increpo. Ela e o senhor são dignos um do outro; mas o amante infeliz<br />
jurou levantar uma barreira entre os dois... e essa barreira... a pesar meu... a <strong>de</strong>speito<br />
<strong>de</strong> todos os esforços, essa barreira sou eu.<br />
– É possível!...<br />
– Com a carta em que eu confesso meu crime, ele me governa como senhor.<br />
Com o po<strong>de</strong>r que lhe dá essa carta, ele me disse uma noite: “eu quero que as portas<br />
<strong>de</strong>sta casa se fechem ao sr. Cândido!” E eu fui pedir-lhe que me levasse ao jardim, e<br />
lá menti, senhor, caluniei minha sobrinha, caluniei meu próprio coração... ousei<br />
significar-lhe que a sua presença nos incomodava... <strong>de</strong>spedi-o <strong>de</strong> nossa casa, e<br />
<strong>de</strong>pois fui chorar atrás <strong>de</strong> uma porta como uma louca!... oh! senhor! perdão! perdão!<br />
193