OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
cabeça, aparecia um botãozinho <strong>de</strong> rosa, como surgindo <strong>de</strong>ntre as tranças <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ixas.<br />
Seu vestido era o único que lhe convinha.<br />
Uma virgem pe<strong>de</strong> um vestido branco. A cor branca exprime a alvura <strong>de</strong> sua<br />
alma, a inocência <strong>de</strong> seu coração. Qualquer outro vestido assenta mal numa virgem.<br />
Além disto, uns sapatinhos <strong>de</strong> cetim, e mais nada. Para que quer enfeites a<br />
formosa donzela?... para que, se a natureza se incumbe <strong>de</strong> enfeitá-la com os mais<br />
interessantes adornos?...<br />
Tudo na “Bela Órfã” respirava encanto, graça, candura e inocência: era um<br />
anjo.<br />
Não há sacrilégio nesta comparação.<br />
Quando a mulher reúne às graças físicas, virtu<strong>de</strong>s cristãs, pureza e bonda<strong>de</strong>,<br />
po<strong>de</strong> por um homem ser comparada a uma santa ou a um anjo.<br />
A uma santa, em qualquer tempo, em qualquer condição, que esteja essa<br />
mulher; mas contanto que reúna os encantos <strong>de</strong> espírito que há pouco foram<br />
apontados.<br />
A um anjo, porém, somente enquanto é virgem; porque só então na mulher<br />
transpira essa inocência que é por força vinda do céu; essa inefável pureza que não<br />
po<strong>de</strong> existir senão nos anjos e na virgem.<br />
Os anjos são as virgens do céu, como as virgens são os anjos da terra.<br />
Mas Celina tinha naquela noite um não sei quê <strong>de</strong> mais belo, <strong>de</strong> mais<br />
interessante em si, em seus modos, em seus olhares. Era um receio que se não<br />
compreendia, um pudor como nunca suscetível...<br />
Quando teve <strong>de</strong> receber os cumprimentos <strong>de</strong> Cândido, cobriu-se seu rosto <strong>de</strong><br />
uma onda <strong>de</strong> rubor... por que corava?...<br />
Forçada a respon<strong>de</strong>r, sua resposta foi o murmurar <strong>de</strong> algumas frases trêmulas,<br />
quase imperceptíveis, que ela <strong>de</strong>ixou passar por entre seus lábios, hesitando e<br />
tremendo... por que tremia?...<br />
– Ah! D. Celina!.. tinha exclamado Mariquinhas, correndo para ela logo que<br />
entrou na sala. D. Celina! Estás hoje bela como nunca o foste tanto!<br />
– Deveras?... perguntou Celina alegremente.<br />
Dantes não lhe importava tanto o parecer bonita, gostava <strong>de</strong> sê-lo, como todas<br />
as moças. Des<strong>de</strong>, porém, os últimos três dias, a “Bela Órfã” <strong>de</strong>sejava redobrar os<br />
seus encantos.<br />
– Olha, tornou Mariquinhas, falando-lhe ao ouvido; estás tão galante, que, se<br />
eu pu<strong>de</strong>sse, fazia-me moço durante esta noite.<br />
– Mas para quê?...<br />
– Para amar-te.<br />
– Ora...<br />
– Para pedir-te um beijo.<br />
– Meu Deus! respon<strong>de</strong>u Celina corando; se tu foras um moço não te atreverias<br />
a ofen<strong>de</strong>r-me pedindo-mo; e sendo moça como és, não mo pe<strong>de</strong>s, e eu to ofereço.<br />
Aqueles dois rostos tão novos e tão lindos aproximaram-se, e soou o ruído <strong>de</strong><br />
98