OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
– Que audácia!...<br />
– Trocaremos, no mesmo dia, a mão <strong>de</strong> uma jovem bela por meia folha <strong>de</strong><br />
papel <strong>de</strong> peso.<br />
– Que sarcasmo!...<br />
– Oh!... mas não é simplesmente meia folha <strong>de</strong> papel <strong>de</strong> peso! é um nome que<br />
se po<strong>de</strong> atirar ao meio da rua... é uma reputação que se po<strong>de</strong> nodoar para sempre...<br />
– Senhor!...<br />
– Escolha.<br />
– É uma infâmia!...<br />
– Embora; fará com que sua sobrinha seja minha esposa?...<br />
– Nunca!<br />
– Bem; vingar-me-ei.<br />
– Embora! exclamou Mariana com ardor; já me tenho curvado <strong>de</strong>mais, já<br />
tenho arrastado meu rosto pela terra muitas vezes, já tenho comprometido a salvação<br />
<strong>de</strong> minha alma. Minha alma que se purgue <strong>de</strong> seus erros, que expie suas culpas na<br />
humilhação e nos tormentos que me esperam!<br />
– Oh! como lhe parecer.<br />
– Já tenho sido fraca <strong>de</strong>mais! minha reputação... não tem sido ela quase que<br />
nodoada já? não consenti, porventura, que se persuadissem que eu amava um<br />
homem que aborreço? eu, mulher casada, não passei por namorada <strong>de</strong> um moço sem<br />
nobreza? não se lembra, senhor, <strong>de</strong>ssa terrível noite em que um cravo rajado passou<br />
<strong>de</strong> meu peito para seu paletó?... que disseram todos? disseram uma calúnia; mas<br />
quem teve culpa <strong>de</strong>ssa calúnia foi a minha fraqueza.<br />
Salustiano levantou os ombros e sorriu.<br />
– Ainda há poucos dias, senhor, para não revolver mais o passado, ainda há<br />
poucos dias não pratiquei uma indignida<strong>de</strong>?... não caluniei minha inocente sobrinha<br />
fazendo um honrado mancebo acreditar que ela o <strong>de</strong>sprezava por ser pobre? não bati<br />
com a porta <strong>de</strong> minha casa no rosto <strong>de</strong>sse mancebo?... oh! o que quer mais?... o que<br />
preten<strong>de</strong> ainda?... <strong>de</strong>vo eu ser miserável toda a minha vida? não repara que uma vida<br />
assim é pesada como um fardo enorme? não! não! e não!... faça o que lhe parecer:<br />
perca-me, mas pela minha parte basta <strong>de</strong> humilhar-me ante um homem sem<br />
generosida<strong>de</strong>.<br />
– Bem, disse com frieza Salustiano; posso então fazer da carta que está em<br />
minhas mãos o uso que me parecer?...<br />
– Que indignida<strong>de</strong>!...<br />
– Não respon<strong>de</strong>?<br />
– Faça o que quiser.<br />
– Oh! vê-se bem que a senhora não se lembra do que escreveu há vinte e um<br />
anos passados!<br />
– Senhor!<br />
– Cuida que nesse papel existe apenas a confissão <strong>de</strong> uma falta que às vezes o<br />
mundo <strong>de</strong>sculpa?... não, senhora! ali se confessa um erro e um crime!<br />
– Senhor!...<br />
178