OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
– Eu o farei; se a minha honra, se a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za não...<br />
– Nada <strong>de</strong> condições.<br />
– É impossível obrigar-me <strong>de</strong> outro modo.<br />
– Em nome <strong>de</strong> sua mãe...<br />
– Por minha mãe já eu jurei ser honrado e ser honesto...<br />
– O que eu peço, senhor, não se opõe à sua honra.<br />
– Servi-la-ei.<br />
– Basta por alguns dias enganar um coração, martirizando o seu... eis aqui o<br />
sacrifício.<br />
Cândido sentiu um calafrio terrível coar-lhe por todo corpo; pareceu adivinhar<br />
o que <strong>de</strong>le queriam, e exclamou:<br />
– Mentir?!<br />
– Por breves dias... mas <strong>de</strong>ssa mentira <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a vida <strong>de</strong> uma infeliz mulher.<br />
– Mentir! isso não, senhora.<br />
A <strong>de</strong>sconhecida abafou um grito doloroso, que lhe saía do peito.<br />
– De que se trata, senhora? perguntou o mancebo com voz alterada.<br />
A <strong>de</strong>sconhecida, mostrando tomar uma resolução, ergueu-se e perguntou:<br />
– Senhor, já aborreceu alguém em sua vida?...<br />
– Não.<br />
– Nem conserva a lembrança <strong>de</strong> nenhuma ofensa? nem se apraz <strong>de</strong> vingar-se<br />
quando lhe ofen<strong>de</strong>m?<br />
– Não, não.<br />
– Sabe perdoar?<br />
– Sou cristão.<br />
– Oh! perdoar <strong>de</strong>ve às vezes custar muito.<br />
– Deve ser bem doce.<br />
– Em uma palavra, senhor, tem pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma mulher infeliz?<br />
– Senhora... senhora... sou filho, filho amante, e não conheço minha mãe.<br />
– Basta.<br />
A <strong>de</strong>sconhecida tomou o braço do mancebo, aproximou-se da mesa on<strong>de</strong><br />
estava a luz, e arrancando <strong>de</strong> sobre si a mantilha, caiu <strong>de</strong> joelhos.<br />
Cândido soltou um grito <strong>de</strong> espanto: acabava <strong>de</strong> reconhecer a filha <strong>de</strong><br />
Anacleto.<br />
– Senhora! erga-se...<br />
– Não! não! pelo amor <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>ixe-me ficar <strong>de</strong> joelhos.<br />
– É impossível... eu não <strong>de</strong>vo...<br />
– Mas eu quero... e não direi nada... e ver-me-á sair como uma miserável<br />
con<strong>de</strong>nada, se quiser obrigar-me a levantar-me.<br />
– Senhora...<br />
– Não... não!... em nome <strong>de</strong> sua mãe, por todos os seus amores juntos, outra<br />
vez pelo amor <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>ixe-me falar <strong>de</strong> joelhos.<br />
O mancebo cruzou os braços, e ficou ali em pé, com a cabeça caída para<br />
baixo, olhando para aquela mulher que <strong>de</strong> joelhos, com os braços apertados em cruz<br />
192