OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
– Oh!...<br />
– Sim... contra ele.<br />
– É filho <strong>de</strong>le! disse com voz repreen<strong>de</strong>dora Rodrigues.<br />
– E também filho <strong>de</strong>la!... acrescentou lugubremente João.<br />
– Embora! tornou o primeiro: juramos protegê-lo, lembra-te.<br />
– Sim... sim... disse o outro com terrível acento: protegê-lo... amá-lo... ainda<br />
que ele te pise com suas botas, e te cuspa no rosto! não?!<br />
– Como é isso?<br />
– É assim mesmo.<br />
– Pois ele ousou...<br />
– Tudo, respon<strong>de</strong>u João com voz surda.<br />
– E tu?<br />
– Tenho sessenta anos... já não sou o mesmo; antigamente atacava cara a cara,<br />
e vencedor ou vencido, tudo estava acabado, acabada a luta. Hoje não: estou velho...<br />
minhas juntas se acham enferrujadas... lutei com um mancebo, e ele ganhou a<br />
partida; mas agora também o caso é outro... não esqueço como dantes. O forte po<strong>de</strong><br />
bater-se braço a braço; o fraco espera atrás <strong>de</strong> uma esquina!<br />
– João!<br />
O irmão <strong>de</strong> Rodrigues soltou uma gargalhada nervosa e horrível; uma <strong>de</strong>ssas<br />
gargalhadas filhas do furor e do <strong>de</strong>sespero.<br />
– João! queres ser um vil assassino no fim <strong>de</strong> teus dias?<br />
– Não! bradou o outro, não!... pois é só atrás das esquinas e com a faca, com a<br />
arma da traição que se vingam os fracos?... outra vez não! eu quero estar livre...<br />
quero passear à minha vonta<strong>de</strong> pelas ruas!... oh! quem sabe se eu não terei <strong>de</strong><br />
cumprimentar um galé? ...<br />
– João!...<br />
– Sim; já o disse: vê-lo-ei com prazer arrastando as ca<strong>de</strong>ias dos criminosos<br />
públicos!... não pertence ele <strong>de</strong> direito ao seu número?... sim; pertence... cometeu<br />
um crime vergonhoso.<br />
– Graças a Deus, João, o fogo consumiu as provas <strong>de</strong>ssa loucura.<br />
– Graças a Deus, Rodrigues, as provas existem ainda, e eu hei <strong>de</strong> apo<strong>de</strong>rar-me<br />
<strong>de</strong>las.<br />
– Que estás dizendo?... é verda<strong>de</strong> o que acabas <strong>de</strong> dizer?.<br />
– Sem dúvida.<br />
– Como chegaste a saber disso?... como hás <strong>de</strong> conseguir.<br />
– É o segredo da minha vingança.<br />
– Nada <strong>de</strong> vingança, irmão.<br />
– Fui ofendido <strong>de</strong>mais.<br />
– Conta-me o que houve, eu te escuto.<br />
– Para quê?...<br />
– Quero aconselhar-te, João.<br />
– Eu não vim pedir-te conselhos.<br />
O velho Rodrigues <strong>de</strong>ixou cair a cabeça tristemente, refletiu alguns instantes,<br />
204