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lolita_vladimir_nabokov

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másculo - exercia nas mulheres de todas as idades e<br />

condições. E claro que tais declarações, feitas na primeira<br />

pessoa, podem parecer ridículas. Mas de vez em quando<br />

tenho de recordar ao leitor a minha aparência, do mesmo<br />

modo que um romancista profissional, que atribuiu a uma<br />

personagem certo maneirismo ou um cão, tem de continuar<br />

a apresentar esse maneirismo ou esse cão sempre que a<br />

referida personagem aparece, no decorrer do livro. No<br />

presente caso, talvez isso seja ainda mais importante. O<br />

meu aspecto melancolicamente atraente deve permanecer<br />

na mente do leitor, para que a minha história seja<br />

convenientemente compreendida. A púbere Lo sucumbiu ao<br />

encanto de Humbert como sucumbia à música sincopada; a<br />

adulta Lotte amou-me com uma paixão madura, possessiva,<br />

que deploro e respeito agora mais do que sou capaz de<br />

exprimir; Jean Farlow, que tinha trinta e um anos e era<br />

absolutamente neurótica, parecia sentir, também, forte<br />

inclinação por mim. Era bonita, de um tipo de beleza que<br />

lembrava escultura índia, e tinha uma tez escura, de terrade-sena<br />

queimada. Os seus lábios eram dois grandes e<br />

escarlates pólipos, e, quando soltava a sua gargalhada<br />

especial, que parecia um ladrido, mostrava grandes dentes<br />

baços e gengivas descoradas.<br />

Era muito alta, usava calças e sandálias ou saias rodadas e<br />

sapatilhas de bailarina, bebia qualquer bebida forte em<br />

qualquer quantidade, tivera dois abortos, escrevia histórias<br />

acerca de animais, pintava - como o leitor sabe - paisagens<br />

lacustres, já andava a chocar o cancro que a mataria aos<br />

trinta e três anos e era absolutamente desprovida de<br />

atractivos, aos meus olhos. Imaginem, por isso, o meu susto<br />

quando, poucos segundos antes de eu partir<br />

(encontrávamo-nos os dois no corredor), Jean, com os<br />

dedos eternamente trémulos, me segurou pelas têmporas e,<br />

de lágrimas nos luminosos olhos azuis, tentou, sem o<br />

conseguir, colar-se aos meus lábios.<br />

- Cuide de si - recomendou-me - e beije a sua filha por mim.<br />

Ecoou pela casa um trovão, e ela acrescentou: - Talvez um<br />

dia, algures, numa ocasião menos angustiosa, nos voltemos

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