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lolita_vladimir_nabokov

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Passei o meu caso em revista na paragem solitária, para<br />

restaurar as forças, entre Coalmont e Ramsdale (entre a<br />

inocente Dolly Schiller e o jovial tio Ivory). Com suprema<br />

simplicidade e clareza, vi-me e ao meu amor. As tentativas<br />

anteriores, nesse sentido, pareciam, por contraste,<br />

desfocadas. Dois anos antes, sob a orientação de um<br />

inteligente confessor de língua francesa a quem, num<br />

momento de curiosidade metafísica, entregara um soturno<br />

ateísmo protestante em troca de um antiquado cura papista,<br />

esperara deduzir, partindo do meu sentido do pecado, a<br />

existência de um Ser Supremo. Nessas manhãs geladas de<br />

um Quebeque rendilhado de geada, o bom padre dedicarase-me<br />

com a maior ternura e compreensão. Estou-lhe<br />

infinitamente grato e à grande instituição que ele<br />

representava. Ai de mim, sentia-me incapaz de transcender<br />

o simples e humano facto de que, fosse qual fosse o alívio<br />

espiritual que eu pudesse encontrar, fossem quais fossem as<br />

eternidades litofânicas que me proporcionassem, nada<br />

poderia fazer esquecer à minha Lolita a concupiscência<br />

imunda que lhe infligira. A não ser que me consigam provar<br />

- a mim como sou agora, hoje, com o meu coração e a<br />

minha barba, e a minha putrefacção - que no curso infinito<br />

da vida não tem a mínima importância o facto de uma<br />

criança norte-americana chamada Dolores Haze ter sido<br />

privada da sua infância por um maníaco, a não ser que isso<br />

possa ser provado (e, se puder, a vida é uma anedota),<br />

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não encontro para tratamento da minha angústia nada mais<br />

do que a melancolia e o paliativo muito circunscrito da arte<br />

da palavra. Citando um velho poeta: O senso moral dos<br />

mortais é o dever. Temos de pagar com o sentido mortal da<br />

arte.<br />

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