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lolita_vladimir_nabokov

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lapsos e lacunas, comuns às sequências dos sonhos, dei<br />

comigo na sala de espera do hospital, a tentar espancar o<br />

médico, a berrar com pessoas metidas debaixo das cadeiras<br />

e a clamar por Mary, que, por sorte dela, estava ausente.<br />

Mãos violentas agarraram o meu roupão e arrancaram-lhe<br />

uma algibeira, e pareceu-me que, não sei como, estivera<br />

sentado em cima de uma doente de bronzeada cabeça<br />

careca, que tomara pelo Dr. Blue e que por fim conseguiu<br />

levantar-se e indagar, com um sotaque grotesco: "E agora<br />

pergunto eu, quem é o neurótico,<br />

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quem é?" Depois, uma enfermeira escanzelada e carrancuda<br />

apresentou-me sete lindos, lindos, livros e a manta escocesa<br />

muito bem dobrada, e exigiu-me um recibo. No súbito<br />

silêncio que se estabeleceu, tive a consciência da presença<br />

de um polícia, no corredor, a quem o dono do automóvel<br />

apontava a minha pessoa, e assinei humildemente o muito<br />

simbólico recibo, abandonando assim a minha Lolita a todos<br />

aqueles macacos. Mas que outra coisa podia fazer? Na<br />

minha cabeça havia um único e simples pensamento, que<br />

era: De momento, "a liberdade é tudo." Um passo em falso,<br />

e talvez fosse obrigado a explicar toda uma vida de crime.<br />

Por isso, fingi que voltava a mim de um atordoamento de<br />

espírito. Paguei ao dono do carro o que ele achou justo. Ao<br />

Dr. Blue, que então me fazia festas na mão, falei, em<br />

lágrimas, do álcool com que fortalecia um coração traiçoeiro,<br />

mas não necessariamente doente. Ao hospital, em geral,<br />

pedi desculpa, com uma mesura que quase me fez virar os<br />

pés pela cabeça, mas acrescentei que as minhas relações<br />

com o resto do clã Humbert não eram as melhores. A mim<br />

próprio, segredei que ainda tinha a pistola e ainda era um<br />

homem livre - livre para localizar a fugitiva, livre para<br />

destruir o meu irmão.<br />

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