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lolita_vladimir_nabokov

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pele brilhava à luz de néon do pátio, que entrava pelas<br />

fendas da gelosia, as suas pestanas negras estavam coladas<br />

umas às outras e os seus graves olhos cinzentos mais vazios<br />

do que nunca - era, para todos os efeitos, uma pequena<br />

doente ainda confusa da anestesia, depois de uma grande<br />

operação), e a ternura transformava-se em vergonha e<br />

desespero, e eu embalava a minha solitária e leve Lolita nos<br />

braços de mármore, e gemia no seu cabelo quente, e<br />

acariciava-a ao acaso, e suplicava-lhe mudamente a bênção,<br />

e no auge dessa angustiada e desinteressada ternura<br />

humana (com a minha alma veramente a pairar junto do<br />

seu corpo nu e pronta a arrepender-se),<br />

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de repente, ironicamente, horrivelmente,a luxúria impunhase<br />

de novo - e "oh, não!", gemia Lolita, com um suspiro<br />

para o céu, e no momento seguinte a ternura e o paraíso<br />

despedaçavam-se.<br />

As ideias de meados deste século xx no tocante às relações<br />

criança-pais têm sido consideravelmente corrompidas pelo<br />

palavreado escolástico e pelos símbolos estandardizados do<br />

negócio psicanalítico, mas eu espero estar a dirigir-me a<br />

leitores imparciais. Uma vez, quando o pai de Avis buzinou a<br />

avisar que chegara para levar a sua pequenina para casa,<br />

senti-me obrigado a convidá-lo a entrar para a sala e ele<br />

sentou-se um momento. Enquanto conversámos, Avis, uma<br />

garota pesadona, sem atractivos e afectuosa, chegou-se<br />

para ele e, pouco depois, sentou-se confortavelmente no<br />

seu joelho. Não me lembro se mencionei o facto de Lolita ter<br />

sempre um sorriso absolutamente fascinante para os<br />

estranhos, um terno semicerrar de olhos, uma doce e<br />

sonhadora radiância de todas as suas feições que não<br />

significava nada, evidentemente, mas que era tão belo, tão<br />

afectuoso, que se tornava impossível reduzir tanta doçura ao<br />

simples trabalho de um gene mágico que lhe iluminava<br />

automaticamente o rosto num símbolo atávico de qualquer<br />

antigo ritual de boas-vindas - prostituição hospitaleira,

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