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lolita_vladimir_nabokov

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encontrara nas leituras à toa da minha mocidade alguma<br />

expressão como, por exemplo, peine forte et dure (que<br />

génio da dor deve ter inventado isso!), ou as medonhas,<br />

misteriosas e insidiosas palavras trauma,, acontecimento<br />

traumático, ou verga,. Mas a minha narrativa já está<br />

bastante incôndita sem isso.<br />

Passado um bocado, destruí a carta, fui para o meu quarto e<br />

pus-me a pensar, a despentear nervosamente o cabelo, a<br />

admirar ao espelho o meu roupão purpúreo, a gemer<br />

através dos dentes cerrados, e, de súbito... De súbito,<br />

cavalheiros do júri, senti um sorriso dostoievskiano nascer<br />

(através da careta que me contorcia os lábios) como um sol<br />

distante e terrível.<br />

Imaginei (em condições de nova e perfeita visibilidade)<br />

todas as carícias casuais que o marido da mãe poderia fazer,<br />

prodigamente, à sua Lolita. Apertá-la-ia a mim três vezes<br />

por dia, todos os dias. Libertar-me-ia de todos os tormentos,<br />

seria um homem saudável. Segurar-te levemente sobre um<br />

meigo joelho e depositar na tua face macia um beijo<br />

paternal..., Bem lido, Humbert!<br />

Depois, com todas as cautelas possíveis, mentalmente em<br />

bicos de pés, por assim dizer, imaginei Charlotte como<br />

possível companheira. Por Deus, seria capaz de lhe levar<br />

aquela toranja economicamente partida em duas,<br />

68<br />

aquele pequeno-almoço sem açúcar!<br />

Humbert, Humbert, a suar sob a crua luz branca e com<br />

polícias suados a berrar-lhe e a espezinhá-lo, está disposto a<br />

fazer um novo depoimento" (quel mot!), agora, no momento<br />

em que vira a sua consciência do avesso e lhe arranca o<br />

forro mais íntimo. Não planeei casar com a pobre Charlotte<br />

com o fito de a eliminar de qualquer modo vulgar,<br />

repugnante e perigoso, como, por exemplo, matá-la com<br />

cinco pastilhas de bicloreto de mercúrio deitadas no seu<br />

xerez pré-prandial, ou coisa parecida. Mas confesso que um<br />

pensamento farmacopeico delicadamente associado a esse

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