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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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<strong>do</strong> regime no desenvolvimento e na sedimentação da «consciência <strong>colonial</strong>» (uma expressão<br />

que se poderia aproximar de outras: personalidade <strong>colonial</strong>ista, impregnação <strong>colonial</strong>, etc.).<br />

Qualquer que seja o termo escolhi<strong>do</strong> (mito ou ideologia), e apesar das suas nuances<br />

lexicais, ambos acarretam uma pretensão totalitária ou holística, ou seja, dão-se por<br />

narrações cujo objetivo é não só dizer toda a realidade como substituir-se a ela e assim<br />

oferecer das ocupações coloniais uma descrição sublimada. Calafate Ribeiro fala a este<br />

propósito de «discurso político ficcional, esquizofrenicamente desproporciona<strong>do</strong> quan<strong>do</strong><br />

compara<strong>do</strong> com a realidade descrita» (2004: 164).<br />

À semelhança <strong>do</strong> que se verificou noutras metrópoles, esta Grande Narrativa<br />

reificou-se num sem número de suportes de origem diversa de maneira a se popularizar (e<br />

sobretu<strong>do</strong> a se naturalizar): manuais escolares, canções, cinema, literatura, exposições<br />

coloniais, etc. Rosas sublinhou o desfasamento completo entre este «investimento<br />

ideológico» por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo, que assim celebra as suas realizações coloniais, e «o<br />

real desinvestimento económico público no ultramar até ao fim da II Guerra Mundial»<br />

(1995: 28). O que aqui importa não são tanto a História e as especificidades <strong>do</strong><br />

<strong>colonial</strong>ismo português, mas antes a existência de um Texto que, por um la<strong>do</strong>, como o<br />

mostrou em pormenor Castro Henriques, partilha certos pontos com os seus homólogos<br />

francês e belga (as imagens depreciativas <strong>do</strong> Negro, 84 o far<strong>do</strong> <strong>do</strong> homem branco, a<br />

superioridade da cultura ocidental sobre as culturas locais, etc.) e que, por outro, por se<br />

tratar de uma ideologia tão profundamente enraizada, se manteve em parte no Portugal<br />

pós-<strong>colonial</strong>. Castro Henriques não hesitou em afirmar a este propósito:<br />

A insensibilidade portuguesa – como aliás europeia – que não pode deixar de<br />

surpreender, deve-se a um preconceito que não está ainda morto na sociedade<br />

portuguesa contemporânea: os africanos são naturalmente escravos e estão<br />

naturalmente destina<strong>do</strong>s a ser servi<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s brancos, e <strong>do</strong>s portugueses em<br />

particular. A violência <strong>do</strong> preconceito, reforça<strong>do</strong> pelo inventário <strong>do</strong>s caracteres<br />

somáticos (cor da pele, tipo de cabelo, o<strong>do</strong>r e maneira de falar), ainda não<br />

84 Entres os pontos comuns aos Textos português, francês e belga, destaco o que Castro Henriques chamou<br />

de mito da superioridade <strong>do</strong> homem branco e da consequente inferioridade <strong>do</strong> Negro. «O primeiro detém o<br />

progresso, o conhecimento, a História, a razão, a capacidade de previsão e de organização, ao passo que o<br />

segun<strong>do</strong>, que é naturalmente feio, se mantém dissolvi<strong>do</strong> na natureza sen<strong>do</strong> por isso passivo e a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>. A<br />

sua selvajaria não lhe permite organizar nem religião, nem formas políticas, nem História» (2004: 51). Ter-se-á<br />

nota<strong>do</strong> a permanência <strong>do</strong> mito em ocorrências como as de Smith e de Memmi e, claro, no discurso de Dakar<br />

<strong>do</strong> Presidente Sarkozy.<br />

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