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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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igualmente o jazigo aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> de uma família portuguesa («Permanecia mesmo com a<br />

sua fome dentro <strong>do</strong> jazigo dias inteiros, como sepulta<strong>do</strong> em vida», Pepetela, 2005: 162).<br />

Observa a vida a partir dali e dá-se conta de que, mesmo na morte, os poderosos possuem<br />

prerrogativas, como a de estarem sepulta<strong>do</strong>s num cemitério de prestígio: «Para<br />

continuarem mais alto que os outros mortos, pois então» (Pepetela, 2005: 162). Não só<br />

observa a ostentação <strong>do</strong>s poderosos durante os dias de funerais, como a atuação <strong>do</strong>s<br />

ladrões que de noite pilham os túmulos: «Simão Kapiangala, educa<strong>do</strong> numa terra onde se<br />

tem respeito pelos mais velhos e pelos mortos, ouvia revolta<strong>do</strong> os barulhos furtivos <strong>do</strong>s<br />

ladrões» (Pepetela, 2005: 164). Desprovi<strong>do</strong> de tu<strong>do</strong>, reduzi<strong>do</strong> fisicamente, <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por<br />

uma estrutura na qual se origina a sua queda, não surpreende a tentação <strong>do</strong> suicídio: «Era<br />

sincero mesmo, essa vida de mutila<strong>do</strong> não tinha senti<strong>do</strong>» (Pepetela, 2005: 164).<br />

É esta personagem que o filho de Caposso, Ivan, diz ter confundi<strong>do</strong> com um cão e<br />

mata<strong>do</strong>. À semelhança <strong>do</strong> que acontece em O Desejo de Kianda, o narra<strong>do</strong>r vê em Simão<br />

Kapiangala uma espécie de má consciência para os novos-ricos de Luanda:<br />

Nunca o confessarão, nem no mais escondi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus segre<strong>do</strong>s, mas para uns<br />

tantos apressa<strong>do</strong>s de acumular dinheiro estilan<strong>do</strong> nos carros de última geração mais<br />

carros <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, aquela metade de homem era incómoda ali no meio da rua, pois<br />

mesmo em silêncio gritava acusações que eles não gostavam de recordar […].<br />

(Pepetela, 2005: 166)<br />

Acrescenta o narra<strong>do</strong>r que, para aqueles que passam ali, é como se não tivesse<br />

existi<strong>do</strong>, «foi instantaneamente ignora<strong>do</strong>, como se nunca a rua Lenine junto <strong>do</strong> Kinaxixi<br />

tivesse alberga<strong>do</strong> tal pedinte […]» (Pepetela, 2005: 166). O apagamento de qualquer<br />

vestígio da sua existência realça ainda mais a terrível condição <strong>do</strong> condena<strong>do</strong>, pois, se o<br />

poderoso consegue determinar o seu estatuto na morte, ele, o desgraça<strong>do</strong>, desaparece<br />

como viveu: <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>, silencia<strong>do</strong>, ignora<strong>do</strong>.<br />

No entanto, a oposição entre <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> e <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>r não se fica por aqui no<br />

romance, bem como no resto <strong>do</strong> corpus contempla<strong>do</strong>. Pode dizer-se que encontramos aqui<br />

ilustrada de maneira paradigmática a representação <strong>do</strong> ser trágico (Kapiangala) e a sua<br />

antítese (Caposso), sem que se possa falar de tensão dialética semelhante à tensão inerente a<br />

muitas tragédias. Para tal, dever-se-iam contemplar duas forças, ou duas vontades,<br />

equivalentes, cada uma fechada sobre si, sobre a sua própria justificação, como vimos no<br />

capítulo dedica<strong>do</strong> ao trágico. O que a obra de Pepetela evidencia é mais um oximoro, ou a<br />

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