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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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o apontam Vernant e Vidal-Naquet, a confrontação entre <strong>do</strong>is tipos de moral, duas<br />

normas, à semelhança <strong>do</strong> que acontece na Antígona de Sófocles. Quan<strong>do</strong> se lê Scheler é<br />

inevitável recordarmos essa peça bem como a interpretação de Hegel:<br />

De même ces tragédies sont les plus puissantes médiatrices du phénomène tragique,<br />

dans lesquelles non seulement chacun ‘a raison’, mais où aussi chacune des<br />

personnes et des forces qui se trouvent en conflit représente des droits également<br />

élevés ou paraît avoir et remplir des tâches aussi nobles. (Scheler, 1952: 114)<br />

Este trecho evidencia uma aporia já encontrada noutros autores, ou seja, Scheler<br />

parece ter delinea<strong>do</strong> o seu trágico a partir da leitura de certas peças <strong>do</strong> repertório (não será<br />

mero acaso Antígona ser a obra de referência em Scheler, como já o tinha si<strong>do</strong> em Hegel,<br />

pois nela se revela o paradigma <strong>do</strong> conflito entre valores positivos incompatíveis), para<br />

num segun<strong>do</strong> tempo o autonomizar relativamente ao seu lugar primordial de enunciação e<br />

voltar a reconhecê-lo nos textos em análise. 156<br />

O que se torna cada vez mais evidente na evolução semântica <strong>do</strong> trágico filosófico<br />

no decorrer <strong>do</strong> século XX são as tentativas de pensar a possibilidade da anterioridade <strong>do</strong><br />

trágico relativamente à tragédia, uma espécie de trágico-ideia, conceito abstrato que, por<br />

causa da sua não articulação com a tragédia, escaparia quase ao entendimento. De facto,<br />

como dizer o que não se concretizou, ou melhor, reificou na linguagem? Há mais ainda: o<br />

trágico assim entendi<strong>do</strong> até perderia a sua essência, o que, em última instância, transforma<br />

o trágico em indizível. Esta recente transformação semântica encontra-se<br />

paradigmaticamente ilustrada num texto de Eduar<strong>do</strong> Lourenço inicialmente publica<strong>do</strong> em<br />

1964 e retoma<strong>do</strong> em 1993: «Do trágico e da tragédia».<br />

Para o ensaísta português, o trágico contemporâneo distingue-se claramente <strong>do</strong>s<br />

seus esta<strong>do</strong>s passa<strong>do</strong>s. As condições para o trágico clássico desapareceram e, por causa<br />

disso, este assemelha-se a um questionamento sem resposta: «Apenas uma interrogação que<br />

circularmente se interroga, sem conhecer os limites, nem da sua voz, nem da sua força». Se<br />

o trágico está sem voz é porque os deuses desertaram tanto <strong>do</strong> palco das atividades<br />

humanas como <strong>do</strong> palco teatral, o que pressupõe, por um la<strong>do</strong>, a ausência de qualquer<br />

possibilidade de uma metafísica hoje e, por outro la<strong>do</strong>, a necessidade de uma intervenção<br />

156 A primazia das tragédias gregas sobre as outras ocorrências <strong>do</strong> género denota muitas vezes uma<br />

idealização <strong>do</strong> modelo original assim como o sentimento da «necessária» decadência que se lhe seguiu. Entre<br />

os especialistas da tragédia grega, Jacqueline de Romilly não escapa a esta observação: «Du schéma tragique<br />

initial, chaque époque ou chaque pays <strong>do</strong>nne une interprétation différente. Mais c’est dans les œuvres<br />

grecques qu’il se traduit avec le plus de force, parce qu’il y paraît dans sa nudité première.» (Romilly, 1992: 6).<br />

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