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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Caposso pode vir a desmoronar-se em prol <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s mais desfavoreci<strong>do</strong>s. Ter-se-á<br />

nota<strong>do</strong> que a queda de Caposso tem a sua origem justamente nos seus próprios atos: é por<br />

se apoderar ilegalmente de terrenos destina<strong>do</strong>s à pastagem e à transumância de ga<strong>do</strong> que os<br />

pastores defendi<strong>do</strong>s por Sebastião Lopes o derrotarão.<br />

Este episódio constitui mais uma ocasião para aprofundar a biografia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

pós-<strong>colonial</strong>. A certa altura, Sebastião Lopes e Bernardino Chipengula, o dirigente da ONG<br />

que defende os pastores lesa<strong>do</strong>s contra as exações de Caposso, evocam a gestão da terra<br />

por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> extensamente semelhante ao que se fizera durante o<br />

perío<strong>do</strong> <strong>colonial</strong>. Na altura da luta contra o <strong>colonial</strong>ismo, o MPLA defendia que a terra<br />

devia voltar aos cria<strong>do</strong>res:<br />

Era preciso acabar com o arame farpa<strong>do</strong>. Tinha si<strong>do</strong> uma reclamação antiga <strong>do</strong>s<br />

cria<strong>do</strong>res tradicionais de ga<strong>do</strong>, que viam os seus pastos ocupa<strong>do</strong>s pelos colonos. E<br />

sobretu<strong>do</strong> os caminhos para a transumância serem corta<strong>do</strong>s pelas intransponíveis<br />

barreiras de arame farpa<strong>do</strong> que os fazendeiros iam implantan<strong>do</strong>. […] E o MPLA<br />

veio e disse, cortem o arame, a terra é <strong>do</strong> povo. Gostei. Vinte e tal anos depois,<br />

começam a vir os mesmos para fechar os pastos e os caminhos com arame<br />

farpa<strong>do</strong>s. (Pepetela, 2005: 128)<br />

A permanência <strong>do</strong> comportamento autoritário por parte <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong> perpassa os<br />

tempos. Caposso comporta-se como certos coloniza<strong>do</strong>res que desenhavam, como vimos<br />

no caso <strong>do</strong> rei Leopol<strong>do</strong> II, as suas posses num mapa sem se preocuparem com as<br />

características sociais <strong>do</strong> espaço artificialmente delimita<strong>do</strong>. («No governo provincial<br />

demarcaram em seu nome um vasto território que ele nem conhecia, só viu no mapa»,<br />

Pepetela, 2005: 262). Além disso, o funcionário que delimita o território garantira-lhe que<br />

eram «terras quase virgens» (Pepetela, 2005: 262), o que reforça a sensação de Caposso se<br />

comportar como um colono. A casa até se inspira num estilo <strong>colonial</strong> bem determina<strong>do</strong>:<br />

«uma enorme mansão de estilo <strong>colonial</strong> americano». (Pepetela, 2005: 271)<br />

No entanto, é deste Esta<strong>do</strong>, em que radica parte <strong>do</strong> problema, que talvez possa<br />

advir parte da solução, pois, como já se adivinhava em O Desejo de Kianda, a extensão <strong>do</strong>s<br />

privilégios <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong> pode ser limitada pela aplicação de leis dimanadas <strong>do</strong> mesmo<br />

Esta<strong>do</strong>. É o que um Caposso não entende: poderia ter chega<strong>do</strong> a acor<strong>do</strong> com Sebastião<br />

entre os <strong>do</strong>is capítulos, além de suscitar um choque no recetor, visa associar na própria estrutura os percursos<br />

antagónicos <strong>do</strong> poderoso e <strong>do</strong> condena<strong>do</strong>, a riqueza <strong>do</strong> primeiro crescen<strong>do</strong> de maneira inversamente<br />

proporcional à desgraça <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>.<br />

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