24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

their superiors. Their powers were diffuse, with little functional specificity. […] To<br />

the peasant, the person of the chief signifies power that is total and absolute,<br />

unchecked and unrestrained. (Mamdani, 1996: 53-54)<br />

Porém, o sistema foi mais duro nos territórios administra<strong>do</strong>s por países que tinham<br />

pouca experiência <strong>colonial</strong> ou poucos recursos, e Mamdani aponta a Bélgica e Portugal<br />

como sen<strong>do</strong> os paradigmas na matéria. De facto, no caso belga, o despotismo<br />

descentraliza<strong>do</strong> foi leva<strong>do</strong> ao extremo e, como o sublinham Mamdani, M’Bokolo ou ainda<br />

Ndaywel è Nziem, a exploração económica aparentou-se a uma clara regressão – pilhagem<br />

<strong>do</strong>s recursos naturais, mão-de-obra escrava, etc. 100 – se a compararmos com as<br />

características das economias locais que antecederam a corrida à África central. Em quase<br />

to<strong>do</strong>s os casos, houve abusos porque existia a vontade e a necessidade de rentabilizar em<br />

pouco tempo o território ocupa<strong>do</strong>, mas as dificuldades também eram significativas:<br />

superfície enorme, fraca densidade populacional, quadros europeus medíocres e em<br />

número reduzi<strong>do</strong> (M’Bokolo, 2004: 310). Num estu<strong>do</strong> sobre a organização e a planificação<br />

<strong>do</strong> terror no EIC, Vangroenweghe descreve, a partir de diversos testemunhos da altura, um<br />

sistema de terror estrutura<strong>do</strong> de cima (Leopol<strong>do</strong> II) para baixo (o responsável militar local)<br />

(Vangroenweghe, 2010: 80ss.) em prol exclusivo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>colonial</strong>. 101 Neste contexto, e<br />

todas as fontes consultadas convergem neste ponto, era inevitável o despotismo<br />

descentraliza<strong>do</strong> descrito por Mamdani.<br />

O mesmo Mamdani notava ainda que, tanto nos territórios administra<strong>do</strong>s pelos<br />

Franceses como pelos Belgas e pelos Portugueses, o princípio de autonomia fiscal da<br />

100 As descrições das condições de trabalho no EIC são bem conhecidas e remeto aqui para os trabalhos já<br />

cita<strong>do</strong>s de M’Bokolo, Ndaywel è Nziem e de Stengers, ou ainda de Vangroenweghe, no qual se inspirou o<br />

jornalista norte-americano Adam Hochschild sem reconhecer a devida dívida intelectual. No entanto, é<br />

menos sabi<strong>do</strong> que o sistema de exploração, nomeadamente no que tem a ver com o trabalho obrigatório, se<br />

perpetuou depois da passagem <strong>do</strong> EIC ao estatuto oficial de colónia belga. Entre outras fontes, gostaria de<br />

destacar a obra de um historia<strong>do</strong>r marginal no mun<strong>do</strong> académico, Jules Marchal, que publicou várias obras<br />

essenciais sobre o sistema <strong>colonial</strong> leopoldino e o sistema <strong>colonial</strong> belga (Lord Leverhulme’s Ghosts: Colonial<br />

Exploitation in the Congo, 2008). No mesmo senti<strong>do</strong> vai o testemunho de um médico francês escrito nos anos<br />

30, mas só publica<strong>do</strong> em 2009 pelos seus descendentes (Paul Raingeard de la Bletière, Maudit soit Canaan). O<br />

autor trabalhou no Congo entre 1926 e 1932, antes de ser declara<strong>do</strong> persona non grata em to<strong>do</strong> o território<br />

<strong>colonial</strong> em consequência das suas denúncias <strong>do</strong> trabalho força<strong>do</strong>.<br />

101 A primeira edição da obra de Vangroenweghe é de 1986. Este etnólogo de formação teve acesso a fontes<br />

inéditas (arquivos oficiais e priva<strong>do</strong>s) ou pouco acessíveis, que submeteu a uma rigorosa crítica histórica,<br />

sempre a partir <strong>do</strong> original (consultou <strong>do</strong>cumentos escritos em <strong>do</strong>ze línguas diferentes). Teve assim acesso a<br />

correspondência de altos responsáveis belgas que evidencia o papel central <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> como fonte de coerção.<br />

Em 1892, o então Secretário de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Interior escreve ao Governa<strong>do</strong>r belga no EIC que a quase<br />

escravidão das populações locais era não só inevitável como também necessária: «C’est une affaire de<br />

première importance en ce moment. Ne vous gênez pas pour mettre de force la main sur les hommes –<br />

comme en Europe – ou les acheter. L’État a le droit d’exiger ce service et pour lui, c’est une question de vie<br />

ou de mort» (Vangroenweghe, 2010: 48).<br />

115

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!