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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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histórico tradicional), etc. Uma interpretação que visa evidenciar a biografia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<br />

<strong>colonial</strong> em parte da produção <strong>do</strong> escritor deve igualmente contemplar estas perguntas e<br />

tentar articular algumas delas com a perspetiva escolhida. Pois assim se compreenderá que<br />

não se trata somente de reescrever a partir de outro ponto de vista a história <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

pós-<strong>colonial</strong>, mas de reescrever refletin<strong>do</strong> sobre o que reescrever significa.<br />

Este tipo de abordagem ajuda a entender as representações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong><br />

sem perder de vista a natureza <strong>do</strong>s textos em análise, pois, como já referi várias vezes, a<br />

representação literária possui caraterísticas que impedem a sua redução a mero espelho <strong>do</strong><br />

contexto social de referência. Não se trata de negar que o romance possa ser recetáculo da<br />

ideologia <strong>do</strong>minante, mas, nesse caso, deve ser encara<strong>do</strong> como produtor e amplifica<strong>do</strong>r<br />

dessa ideologia numa relação de tensão nunca resolvida. Os defensores de uma leitura mais<br />

sociológica da obra de Pepetela tendem a privilegiar a literatura como recetáculo, espelho,<br />

testemunho - o que também é -, sem a encarar nas suas outras vertentes e virtudes.<br />

Venâncio, por exemplo, vê na obra <strong>do</strong> escritor angolano sobretu<strong>do</strong> um «registo<br />

privilegia<strong>do</strong>» de quarenta anos de história <strong>do</strong> país (Venâncio, 2005: 121) ou ainda «um<br />

importante testemunho» da construção nacional (Venâncio, 2008: 103).<br />

Para entender o projeto pepeteliano, vale a pena relembrar rapidamente o contexto<br />

em que se enquadra. 240 Em várias contribuições, Inocência Mata, uma das maiores<br />

especialistas da obra de Pepetela, distingue as duas fases pela qual passou a literatura<br />

angolana: à fase nacionalista, <strong>do</strong>minada sobretu<strong>do</strong> por poetas, sucedeu a fase de releitura<br />

crítica <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> num contexto de desilusão, <strong>do</strong>minada sobretu<strong>do</strong> por romancistas. Ou<br />

seja, a literatura que, num primeiro tempo, participa na construção da nação começa a<br />

interrogar os substratos desta construção/representação (Mata, 2001: 82-83). Esta operação<br />

pressupõe um trabalho de releitura <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, tanto <strong>colonial</strong> como pós-<strong>colonial</strong>, que leva,<br />

em última análise, a duvidar de algumas componentes da narrativa nacionalista, 241 pois, num<br />

contexto pós-<strong>colonial</strong> marca<strong>do</strong> por diversas violências, ler a História significa reler o que<br />

foi escrito por outros:<br />

O contexto discursivo destas ficções historiográficas aponta para possibilidades de<br />

outras leituras <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> – que designo como releituras –, de suas reinterpretações<br />

240 Para uma contextualização mais geral remeto para Laranjeira (2005: 31-174).<br />

241 No caso de Pepetela, esta reflexão crítica sobre a situação pós-<strong>colonial</strong> surge logo em Mayombe (escrito em<br />

1971, publica<strong>do</strong> em 1980), como notou Laranjeira: «Pepetela atrevia-se assim a questionar a construção de<br />

imagens de heróis monolíticos, aplican<strong>do</strong> à ficção a fecundidade da dúvida sistemática, como quan<strong>do</strong> insinua,<br />

através de Sem Me<strong>do</strong>, que o poder da guerrilha de libertação nacional já transportava em si o ovo da serpente<br />

<strong>do</strong> poder que, após o triunfo, <strong>do</strong>minará o povo que aju<strong>do</strong>u a libertar» (Laranjeira, 2005: 145).<br />

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