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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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co-presença de vontades que nem sequer chegam a contemplar-se reciprocamente – o que<br />

acontece no teatro de Tansi e Nkashama –, ou seja, de pólos opostos que não dispõem<br />

sequer de um espaço comum para comunicarem. O único momento em que ambos os<br />

percursos se cruzam é na altura <strong>do</strong> atropelamento de Kapiangala por um filho de Caposso,<br />

o que significa o apagamento completo de um pólo pelo outro.<br />

A descrição oximórica em questão também passa pelo aspeto físico de cada um <strong>do</strong>s<br />

pólos. O “baixo corporal e material” está, de facto, presente nos quatro romances. Por um<br />

la<strong>do</strong>, o corpo em expansão <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong> surge marca<strong>do</strong> pelo consumo excessivo (Van<br />

Dum, Bunda, o Governa<strong>do</strong>r de Benguela, Caposso). Por outro la<strong>do</strong>, o corpo <strong>do</strong><br />

condena<strong>do</strong> é representa<strong>do</strong> como exato contraponto <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong>, magro,<br />

deficiente (os escravos, Fininho, Kapiangala). Pelas suas características recorrentes, o corpo<br />

<strong>do</strong> primeiro participa também da permanência <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong> <strong>do</strong> tempo <strong>colonial</strong> na época<br />

pós-<strong>colonial</strong>, pois as suas características permanecem independentemente <strong>do</strong> contexto.<br />

Assim Baltazar Van Dum é descrito pelo escravo como gor<strong>do</strong>, gostan<strong>do</strong> de comer e beber<br />

em grandes quantidades (Pepetela, 1997: 13). Mais à frente, descobre-se que a mesma<br />

personagem possui o hábito da flatulência sempre que se irrita: «hábito muito salutar que<br />

tinha quan<strong>do</strong> se enfurecia» (Pepetela, 1997: 129) diz o narra<strong>do</strong>r.<br />

Em Jaime Bunda e a morte <strong>do</strong> americano, a dicotomia elite vs resto da população parece<br />

acentuar-se. Abundam os corpos marca<strong>do</strong>s pelo consumo excessivo: o Ministro <strong>do</strong> Interior<br />

evidencia «pneus na barriga» (Pepetela, 2003: 16), o Governa<strong>do</strong>r de Benguela «era baixo e<br />

muito gor<strong>do</strong>, a suar e a meter o de<strong>do</strong> entre o pescoço e o colarinho, abafa<strong>do</strong> pela gravata»<br />

(Pepetela, 2003: 54), o chefe da polícia, Aguinal<strong>do</strong> Trindade, «era um mulato forte, com<br />

uma barriga já invejável. […] Parecia ia a to<strong>do</strong> o momento arrotar» (Pepetela, 2003: 55). O<br />

próprio narra<strong>do</strong>r associa intimamente o poder ao excesso, mas este consumo excessivo é<br />

alvo ao mesmo tempo <strong>do</strong> seu olhar distancia<strong>do</strong> e irónico: «[…] Se via estarmos em meios<br />

de muito poder. Um era gor<strong>do</strong>, o outro forte a tender para o gor<strong>do</strong>, o outro com uma<br />

bunda de meter respeito e que portanto caminharia para as rotundidades <strong>do</strong>s restantes. A<br />

magreza que ficasse para o povo» (Pepetela, 2003: 55).<br />

Por fim, Caposso evidencia um corpo que significa também o seu estatuto social:<br />

«Era razoavelmente alto e bastante forte, com uma barriga se avoluman<strong>do</strong> paralelamente<br />

aos muito proveitosos negócios» (Pepetela, 2005: 48-49). À semelhança de outras<br />

personagens de Pepetela, Caposso apresenta igualmente um forte apetite sexual,<br />

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