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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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fora» (2006: 30), mas terá toda a legitimidade para se colocar na «fronteira» desde que aceite<br />

pensar com o apoio, por um la<strong>do</strong>, de teóricos oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Sul global e, por outro la<strong>do</strong>, de<br />

teóricos oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Norte global, com a condição de ambos os grupos terem deixa<strong>do</strong> de<br />

la<strong>do</strong> a <strong>colonial</strong>idade de um certo saber. O que significa concretamente que se preciso, por<br />

exemplo, de um Cabral (2008) ou de um Fanon (1952, 1961), um Memmi, por sua vez, só<br />

me poderá ser útil enquanto analista da situação <strong>colonial</strong> (1957), mas não o será enquanto<br />

analista da situação <strong>do</strong> «descoloniza<strong>do</strong>» e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> (2004), pois aqui, como o<br />

mostrarei no capítulo seguinte, reproduz em grande parte o discurso africanista herda<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> <strong>colonial</strong>.<br />

A «fronteira» parece-me ainda o lugar a partir <strong>do</strong> qual o hermeneuta <strong>do</strong> texto<br />

literário pós-<strong>colonial</strong> deverá trabalhar, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se trata de estudar obras oriundas<br />

de países e de línguas diferentes. A proximidade da «fronteira» em questão com a<br />

«fronteira» como conceito central da ciência comparativa da literatura é aqui óbvia. Para<br />

esta, a «fronteira» tornou-se um lugar a partir <strong>do</strong> qual ler a literatura <strong>do</strong>(s) outro(s), mas<br />

também, em retorno, ler-se a si próprio, ou seja, ler-se de outra maneira através <strong>do</strong> outro.<br />

Nesta perspetiva, as «fronteiras» são múltiplas: a da língua, da(s) diferenças culturais… mas<br />

cada uma delas pode, mesmo que parcialmente, ser transposta, como o advoga Chevrel:<br />

Il n’est pas sûr qu’un Parisien ou un Bruxellois ait d’emblée accès à un roman<br />

québécois, ivoirien ou antillais: les realia, les substrats mythiques, le vocabulaire, les<br />

structures grammaticales, sont autant d’obstacles à une lecture de type immédiat.<br />

Mais est-ce suffisant pour que cette part d’étrangeté transforme ces romans en<br />

œuvres étrangères? (Chevrel, 2006: 14)<br />

Não se trata de negar a existência da(s) «fronteira(s)», mas de encará-la(s) como um<br />

lugar ao mesmo tempo de rutura e de continuidade, um lugar onde a análise será<br />

forçosamente incompleta. Neste aspeto, o que defendem os teóricos contemporâneos da<br />

ciência comparativa da literatura assemelha-se bastante à posição defendida pelos<br />

pensa<strong>do</strong>res pós-coloniais da «fronteira». 64 Mais uma vez, observa-se aqui a desejável<br />

articulação entre «fronteira» e «tradução», pois quem quiser pensar na «fronteira» será tarde<br />

64 Entre outros, eis o que um teórico da ciência comparativa da literatura diz, primeiro, da fronteira no seu<br />

senti<strong>do</strong> literal: «Une frontière est en effet un lieu nul; décidé de façon plus ou moins arbitraire, qu’il faut<br />

matérialiser de différentes façons[…]: cette ligne virtuelle est cependant un obstacle qu’il faut franchir – ou<br />

percer» (Chevrel, 2006: 21. Ênfase minha). Mais à frente, acrescenta que o conceito é encara<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong><br />

metafórico pela ciência comparativa da literatura (o recurso à metáfora é mais um ponto comum com as<br />

teorias pós-coloniais). Na sua acepção metafórica, a «fronteira» aponta para «la question de la pluralité de<br />

systèmes de références qui peuvent, ou non, cohabiter dans des espaces limités, qu’ils soient, ou non, contigus<br />

les uns des autres» (Chevrel, 2006: 24).<br />

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