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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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É também essencial entender com Mamdani e M’Bokolo que o modelo escolhi<strong>do</strong><br />

pelos coloniza<strong>do</strong>res era ele próprio um modelo quase contemporâneo da colonização e, em<br />

parte, resulta<strong>do</strong> de influências externas. Estes Esta<strong>do</strong>s tardios, fruto da conquista de<br />

aventureiros, tinham em comum, por um la<strong>do</strong>, um recurso permanente à violência sem<br />

contra-poder (M’Bokolo, 2004: 259) e, por outro la<strong>do</strong>, a invenção de uma legitimidade<br />

através da manipulação das identidades (criação de novas genealogias, releitura de<br />

cosmologias locais a seu favor, etc.). Neste ponto preciso, o historia<strong>do</strong>r congolês recusa a<br />

representação de um continente em crise e prefere falar de mutações profundas, o que<br />

invalida ao mesmo tempo o discurso <strong>colonial</strong> e certas representações pós-coloniais:<br />

Dynamisme, vitalité, recomposition plutôt que crise: telles sont les leçons de ce<br />

tableau politique qui apparaît ainsi fort éloigné des représentations tenaces issues de<br />

l’idéologie <strong>colonial</strong>e (une Afrique plongée dans la stagnation, la barbarie, la division<br />

et les guerres) et nationaliste (une Afrique harmonieuse). (M’Bokolo, 2004: 260)<br />

Um <strong>do</strong>s exemplos mais conheci<strong>do</strong>s de edificação de um Esta<strong>do</strong> <strong>colonial</strong> basea<strong>do</strong><br />

no uso desenfrea<strong>do</strong> da violência assim como no despotismo descentraliza<strong>do</strong> foi o Esta<strong>do</strong><br />

Independente <strong>do</strong> Congo (EIC), construção jurídica inédita que nasceu <strong>do</strong> desejo de um só<br />

homem, Leopol<strong>do</strong> II. 99 Numa contribuição mais recente, M’Bokolo afirma que as práticas<br />

desenvolvidas no EIC serviriam de exemplo nos territórios <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s pelos Franceses e<br />

pelos Portugueses (M’Bokolo, 2006: 580) para rentabilizar os seus investimentos,<br />

nomeadamente nos territórios declara<strong>do</strong>s vazios («terres vacantes»). Neste contexto<br />

preciso, o despotismo descentraliza<strong>do</strong> foi uma necessidade: <strong>do</strong> centro (Leopol<strong>do</strong> II em<br />

Bruxelas) ao local (o chefe nomea<strong>do</strong> pelo novo poder), cada sujeito exercia uma pressão<br />

sobre o escalão que lhe era imediatamente inferior. Segun<strong>do</strong> Mamdani, o sistema foi<br />

semelhante em todas as colónias e generalizou assim ao nível local uma figura que no<br />

perío<strong>do</strong> pré-<strong>colonial</strong> era a exceção, a <strong>do</strong> chefe absoluto sem contrapeso no seio da<br />

comunidade.<br />

Its personnel functioned without judicial restraint and were never elected.<br />

Appointed from above, they held office so long as they enjoyed the confidence of<br />

99 O conceitua<strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r belga Jean Stengers notava que raramente na História tantos acontecimentos<br />

dependeram da vontade de um só homem, que considerava o Congo como a sua propriedade privada (2005:<br />

20, 39, 48, 100). Um historia<strong>do</strong>r congolês, Isi<strong>do</strong>re Ndaywel è Nziem, confirma o papel central <strong>do</strong> monarca:<br />

«Il exerça un pouvoir plus qu’absolu, se déclarait ‘propriétaire’ du Congo. Il est difficile aujourd’hui de<br />

justifier et surtout de comprendre une telle prétention. Il n’empêche qu’elle était réelle: Léopold II estimait<br />

posséder notre Congo comme on peut posséder un terrain ou une maison» (Ndaywel è Nziem, 1998: 319).<br />

Nota-se que uma nova versão ampliada da Histoire Générale du Congo foi publicada nas edições Le Cri<br />

(Bruxelas) em 2009, com um prefácio inédito de M’Bokolo.<br />

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