24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Como se constata aqui, o essencialismo, traço importante <strong>do</strong> Texto, estrutura as<br />

ocorrências, e atinge cada um <strong>do</strong>s polos. Assim, a Europa é antes de mais a que tem si<strong>do</strong><br />

produzida e representada como locus da modernidade, <strong>do</strong>s Direitos Humanos, da<br />

Liberdade, das Luzes, nunca a Europa que para chegar a tal representação de si teve de<br />

passar por vários processos de erradicação das suas próprias alteridades. Para Mudimbe, a<br />

conceção de uma História hegemónica que favoreceu a separação entre nós e eles, entre o<br />

civiliza<strong>do</strong> e o primitivo, traduz a incapacidade, por parte de muitos, de pensarem o<br />

implícito, o quase impensa<strong>do</strong> da civilização ocidental hegemónica, ou seja, a presença aqui<br />

de outras racionalidades que não existiram, porque foram produzidas como não existentes<br />

(Mudimbe, 1988: 190). Encara<strong>do</strong> deste mo<strong>do</strong>, o polo positivo só adquire significa<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong> contraposto a um polo negativo marca<strong>do</strong> por um processo de essencialização<br />

semelhante. 81 A violência pós-<strong>colonial</strong>, marca de negatividade de predileção para os três<br />

autores, não precisa nesta perspetiva de explicação aprofundada, pois parece surgir <strong>do</strong><br />

interior (da cultura pré-<strong>colonial</strong>, da religião, de uma tendência intrínseca): «Peut-être que<br />

cette obstination dans la violence est la preuve de notre socialisation insuffisante, de notre<br />

foncière animalité» (Memmi, 2004: 91. Ênfase minha).<br />

É certo que o mesmo Memmi reconhece, en passant mais uma vez, uma certa<br />

responsabilidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-nação importa<strong>do</strong>, herança <strong>do</strong> <strong>colonial</strong>ismo, mas prefere<br />

atribuir as causas <strong>do</strong> fracasso aos potenta<strong>do</strong>s locais, sem uma palavra sobre o modelo <strong>do</strong><br />

potenta<strong>do</strong> (o administra<strong>do</strong>r <strong>colonial</strong>), sobre as ligações entre alguns potenta<strong>do</strong>s e ex-<br />

poderes coloniais (ou seja, o neo<strong>colonial</strong>ismo), sobre a eliminação de dirigentes<br />

alternativos, com a indiscutível participação das antigas potências coloniais nalguns casos<br />

(Lumumba e Sankara, por exemplo). Como já o referi há pouco, o recurso a este tipo de<br />

engenhos retóricos contém necessariamente as suas próprias contradições. No caso de<br />

Memmi, elas surgem quan<strong>do</strong>, ao tentar demonstrar as razões internas <strong>do</strong> arbitrário e da<br />

violência, estabelece, sem aprofundar e para logo a seguir voltar à sua linha de pensamento<br />

central, uma continuidade entre a lei da colónia e a <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>: «Voici que le<br />

droit <strong>colonial</strong> ayant été aboli, il n’a pas été vraiment remplacé» (Memmi, 2004: 99). E um<br />

81 Béji proporciona um paradigma da complementaridade entre os polos quan<strong>do</strong>, no final <strong>do</strong> seu ensaio, opõe<br />

simetricamente os «Ocidentais» a «Nós»: «Eles» são racionais quan<strong>do</strong> «Nós» somos emotivos, são eficazes<br />

(porque são racionais) quan<strong>do</strong> somos ineficazes (porque somos irracionais), são trabalha<strong>do</strong>res e dedica<strong>do</strong>s<br />

quan<strong>do</strong> somos preguiçosos, etc (Béji, 2008: 209-212). O corolário em Béji é a quase declaração de amor pelo<br />

tal Ocidente sonha<strong>do</strong>: «Il faut être honnête. Il faut le reconnaître, votre humanité à vous, Européens, c’est<br />

votre conscience professionnelle, votre amour du travail bien fait, votre efficacité dans l’urgence.<br />

Apparemment, elle est plus froide, mais, en réalité elle est mille fois plus secourable. Chez nous, elle est<br />

chaleureuse, mais, au bout du compte, elle est désastreuse» (Béji, 2008: 209).<br />

87

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!