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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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(Mal<strong>do</strong>na<strong>do</strong>-Torres, 2004: 41). Ao contrário de muitos pensa<strong>do</strong>res enraiza<strong>do</strong>s no Ocidente,<br />

pensa<strong>do</strong>res como Mal<strong>do</strong>na<strong>do</strong>-Torres e Dussel, bem como Quijano, têm em conta a forma<br />

como uma multiplicidade de sujeitos com uma multiplicidade de histórias experimentaram<br />

a modernidade de outra maneira. É neste contexto que a noção de locus aparece como<br />

essencial: o facto de viver no Sul global significa para muitos a perpetuação da lógica<br />

<strong>colonial</strong>.<br />

Este conceito de «<strong>colonial</strong>idade <strong>do</strong> ser» desenvolvi<strong>do</strong> por Mal<strong>do</strong>na<strong>do</strong>-Torres a<br />

partir da análise de filósofos europeus oferece a vantagem de apontar para a sedimentação<br />

no mais íntimo de cada indivíduo da pior e mais dura<strong>do</strong>ura consequência <strong>do</strong> <strong>colonial</strong>ismo.<br />

No entanto, utilizar exclusivamente filósofos de acesso tão complexo como Levinas e<br />

Heidegger para defender a tese de uma ontologia ocidental por essência racista não me<br />

parece ser suficiente para explicar a naturalização e repetição <strong>do</strong>s discursos e das posturas<br />

racistas num certo senso comum ocidental. A questão colocada recentemente por Akhil<br />

Gupta a propósito <strong>do</strong> orientalismo poderia ser formulada a respeito <strong>do</strong> africanismo: «c’est<br />

une question pour la recherche que d’expliquer pourquoi l’orientalisme est toujours<br />

présent, et comment l’Occident arrive à perpétuer cette homogénéisation […]» (Gupta<br />

2007: 220).<br />

Por outras palavras, como e por que razão os Outros <strong>do</strong> Ocidente continuam a ser<br />

representa<strong>do</strong>s como os nossos bárbaros, as nossas bruxas, os nossos judeus? No mesmo<br />

lugar, Françoise Lorcerie, diretora de investigação no CNRS, notava que embora os meios<br />

legais existam para lutar contra a discriminação racial no trabalho, na procura de um<br />

alojamento, pouco ou nada se fez ainda para lutar contra o que ela chama o<br />

«primordialisme national»: «ce schème cognitif composite nourri d’un sentiment animal du<br />

chez nous et d’imaginaire ethnoracial […]» (Lorcerie, 2007: 324-325). Trata-se de um<br />

esquema cognitivo muito pernicioso pois, se pode, por um la<strong>do</strong>, ser objeto de um discurso<br />

oficial (o <strong>do</strong> Front National ontem e de parte da UMP hoje em França) e assim reificar-se<br />

numa ideologia com contornos claros, pode, por outro la<strong>do</strong>, revelar-se, bem como<br />

europeus já tinham “treina<strong>do</strong>” o tratamento violento das alteridades presentes no continente: desde os catares<br />

na França (século XIII) aos judeus e árabes da Península Ibérica logo antes <strong>do</strong> início da primeira viagem de<br />

Colombo (Castro Henriques, 2004: 25), os poderes político-religiosos empenharam-se em reduzir os mo<strong>do</strong>s<br />

alternativos de ser e de pensar em grande parte da Europa. Esta estreita ligação entre erradicação aqui e<br />

aniquilação ali foi evidenciada por um intelectual haitiano, Laënnec Hurbon, <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> em Teologia e<br />

Sociologia, ao estabelecer um paralelismo entre a caça às bruxas na Europa e a caça aos canibais nas Américas<br />

(Hurbon, 1988), mostran<strong>do</strong> que a representação <strong>do</strong> bárbaro e os seus atributos eram idênticos à<br />

representação da bruxa entre nós.<br />

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