24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

norma como um efeito de estilo, ou seja, se Töpffer é aceite como escritor talentoso, tanto<br />

em França como na Suíça, é porque a certo momento foi celebra<strong>do</strong> como tal pelo centro<br />

(Meizoz, 1996: 102). 11<br />

Na primeira metade <strong>do</strong> século XX, outro escritor suíço, Charles-Ferdinand Ramuz<br />

teria uma relação semelhante com o centro. Rejeita<strong>do</strong> num primeiro tempo em nome <strong>do</strong><br />

mesmo critério estético, a sua escrita, tentativa de tradução <strong>do</strong> francês oral da sua região,<br />

acabaria por ser recuperada pelo mesmo centro e legitimada em nome da sua originalidade.<br />

O exemplo de Ramuz interessa no contexto desta dissertação, pois o que era ti<strong>do</strong> como<br />

sen<strong>do</strong> uma característica inova<strong>do</strong>ra na altura, a tentativa de traduzir algo da oralidade na<br />

escrita, faria mais tarde parte das estratégias escolhidas por outros escritores das margens<br />

Sul das francofonias (por exemplo, Kourouma, Labou Tansi). 12 Esta rápida análise<br />

institucional aponta para uma certa proximidade entre escritores das margens no que tem a<br />

ver com o seu posicionamento relativamente ao centro e esclarece numa outra perspetiva,<br />

mais alargada, as razões possíveis de certas escolhas estéticas. Terei a oportunidade de<br />

voltar a este ponto mais à frente no capítulo dedica<strong>do</strong> à análise <strong>do</strong>s textos de Labou Tansi.<br />

Para terminar, ao interpretar os textos a partir <strong>do</strong> conceito de trágico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

pós-<strong>colonial</strong>, remeto para a perspetiva meto<strong>do</strong>lógica inova<strong>do</strong>ra presente nos estu<strong>do</strong>s<br />

literários pós-coloniais. Ao falar de “trágico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>” não falo somente de<br />

procurar um conceito heuristicamente estimulante, mas, na perspetiva teórica em questão,<br />

de cruzar diferentes disciplinas – análise <strong>do</strong> discurso, filosofia, poética, geopolítica, história<br />

–, para conseguir uma descrição mais matizada <strong>do</strong> próprio conceito. Note-se bem que não<br />

se trata de negar a existência de fronteiras entre as disciplinas, mas de procurar os pontos<br />

de passagem, as zonas de contacto entre elas. Como veremos com as presenças <strong>do</strong> trágico<br />

11 Mafalda Leite aponta para um processo semelhante por parte da crítica hegemónica <strong>do</strong> Norte relativamente<br />

às produções literárias africanas. Quan<strong>do</strong> o crítico desvaloriza uma narrativa africana socorren<strong>do</strong>-se de<br />

critérios estéticos, «procura a reprodução <strong>do</strong>s seus próprios modelos» e acaba por privilegiar os autores<br />

africanos que escrevem bem (Mafalda Leite, 2004: 27).<br />

12 Nesta perspectiva, o que diz Meizoz <strong>do</strong> trabalho de Ramuz sobre a língua poderia, sem grandes alterações,<br />

ser retoma<strong>do</strong> a propósito de Sony Labou Tansi: «Tout en renonçant à faire usage des mots locaux, il a<br />

cherché dans une intense élaboration syntaxique à tirer le meilleur parti expressif des inflexions et rythmes de<br />

la langue parlée […]» (Meizoz, 1996: 103). O que parece estar em jogo aqui é a relação <strong>do</strong> escritor com uma<br />

língua literária, o Francês, numa situação de plurilinguismo, pois no caso suíço, como aliás no caso belga<br />

(Klinkenberg, 2010; Quaghebeur, 1997), o Francês está sempre em contacto com uma ou mais línguas para<br />

não falar das variedades <strong>do</strong> Francês utilizadas no dia-a-dia. Para dizê-lo de outro mo<strong>do</strong>, a relação com a língua<br />

francesa para um escritor oriun<strong>do</strong> das margens é muitas vezes problemática. Eis o que dizia Jacques Chessex,<br />

outro escritor suíço, a propósito de Ramuz: «Les écrivains français, Gide, Mauriac, ne se sont pas posés la<br />

question de la légitimité du langage. Ils avaient une langue de droit divin. Ramuz a été très contesté. Il lui a<br />

fallu trouver sa langue» (Chessex apud Lin<strong>do</strong>n, 2009: 30).<br />

12

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!