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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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antes de as comer parcialmente. A viúva e as filhas defendem-no contra Martial, o sobrinho<br />

de Libertashio, pelo facto deste último ter gosta<strong>do</strong> de loucos. Ramana, uma das filhas,<br />

acha-o aliás sensato («raisonnable») e afirma que, segun<strong>do</strong> o rumor, teria si<strong>do</strong> poeta e<br />

compositor de ballet. Como acontecia em Le trou, são as mulheres que defendem o louco<br />

contra a violência <strong>do</strong>s homens, como se estes não tivessem a capacidade não só de aceitar a<br />

sua presença, mas também, mais fundamentalmente, de o aceitar enquanto voz da<br />

consciência. Pois o louco aqui, como noutras peças de Tansi, mas também de outros<br />

dramaturgos, é porta<strong>do</strong>r de uma outra verdade, é a voz que denuncia a torpeza <strong>do</strong>s<br />

potentes. Numa contribuição de referência, Caya Makhélé fez dele uma das personagens<br />

recorrentes num certo teatro africano: porta<strong>do</strong>r de verdade, griot, crítico de todas as<br />

injustiças (Makhélé, 1995: 8), mas igualmente personagem quase estruturante nas peças de<br />

Sony Labou Tansi, Sénouvo Agbota Zinsou 227 ou ainda Kossi Efoui: 228<br />

[Il] est toujours le vecteur de l’intrigue ou du drame qui se joue. Il a également la<br />

fonction de crieur public ou d’un maître de cérémonie, porteur de nouvelles de la<br />

cité, et aussi observateur aigu des travers de cette même cité. (Makhélé, 1995: 8)<br />

Rapidamente, Yavilla, outra filha de Libertashio, aponta para a presença <strong>do</strong>s<br />

solda<strong>do</strong>s no fora-de-palco, ao que Martial responde, com palavras quase idênticas às que<br />

encontrámos em L’empire des ombres vivantes: «Ici, c’est le pays des soldats» (Le premier soir). Se<br />

juntarmos à presença <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s a atmosfera inicial de guerra, o século <strong>do</strong>loroso, os<br />

túmulos, os gestos violentos <strong>do</strong> louco, desenha-se para as personagens uma espécie de arco<br />

da ameaça que as rodeia tanto no espaço atual como no virtual. Para o recetor, esta ameaça<br />

pode ser o prelúdio para o arranque da sintaxe trágica. O que se desenha igualmente aqui<br />

parece ser uma tensão entre o fora e o dentro, tensão que vimos ser estruturante no teatro<br />

de Nkashama, mas uma tensão vivida igualmente a um nível mais íntimo: Martial exprime o<br />

desejo de sair <strong>do</strong> país («Il faudrait peut-être partir. Nous sommes déchirés. Tous.» Le<br />

premier soir) enquanto as mulheres querem ficar (Ramana contesta: «Jamais! Cette terre nous<br />

est clouée dans le sang.» Le premier soir). O que Martial revela não é somente esta tensão<br />

para fora, é também um ser dilacera<strong>do</strong>, fruto de uma divisão violenta (rasga<strong>do</strong>s diz ele) que<br />

muitas vezes caracteriza as personagens trágicas. Como veremos em Je, soussigné cardiaque, é<br />

talvez aqui que reside a especificidade <strong>do</strong> trágico em Tansi: além de ter origem no Esta<strong>do</strong><br />

pós-<strong>colonial</strong>, o mal provém muitas vezes da parte menos estável <strong>do</strong> ser humano, o que<br />

227 Em La Tortue qui chante (1987).<br />

228 Em La Malaventure (1993).<br />

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