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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Para voltar ao trágico encara<strong>do</strong> numa perspetiva comparativa, parece-me existir<br />

laços que embora tenham si<strong>do</strong> parcialmente evidencia<strong>do</strong>s carecem de um estu<strong>do</strong><br />

aprofunda<strong>do</strong>. Mégevand (2009), por exemplo, abriu perspetivas promissoras na<br />

comparação entre Wole Soyinka e Sony Labou Tansi, nomeadamente na sua representação<br />

da violência e <strong>do</strong> terror enraiza<strong>do</strong> no Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> autoritário. A estes <strong>do</strong>is nomes,<br />

acrescentaria, numa perspetiva triangular, o <strong>do</strong> dramaturgo angolano José Mena Abrantes,<br />

autor de uma obra importante disponível em <strong>do</strong>is volumes (Coimbra: Cena Lusófona,<br />

1999).<br />

No decorrer da pesquisa, tornou-se clara também a importância de Shakespeare<br />

como palimpsesto na obra de Sony Labou Tansi, não só em peças que são obviamente<br />

reescritas de peças <strong>do</strong> dramaturgo inglês (Moi, Veuve de l’Empire; La résurrection en rouge et<br />

blanc de Roméo et Juliette), mas também na restante produção, como uma espécie de modelo<br />

trágico mais ou menos assumi<strong>do</strong>. Shakespeare parece assim irrigar um certo número de<br />

peças, independentemente da origem <strong>do</strong> seu autor: Césaire e Labou Tansi claro, mas<br />

igualmente na primeira peça <strong>do</strong> escritor da Guiné-Bissau Abdulai Sila, As orações de Mansata<br />

(Coimbra, Cena lusófona: 2011). 295 Valeria a pena questionar, por exemplo, as razões desta<br />

presença em particular (porquê Shakespeare e não Racine ou Corneille, por exemplo). 296<br />

Como sugeri em vários momentos desta dissertação, o trágico, embora<br />

tradicionalmente associa<strong>do</strong> a um género, conseguiu, enquanto estrutura, adaptar-se a outras<br />

práticas artísticas: o romance é disso exemplo, mas igualmente o cinema, como aludi no<br />

final <strong>do</strong> capítulo dedica<strong>do</strong> ao trágico. Alguns cineastas <strong>do</strong> Sul global conseguiram recuperar<br />

uma estrutura importada <strong>do</strong> Norte via os <strong>colonial</strong>ismos, o ensino, etc., para propor outros<br />

pontos de vista sobre as origens <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>. Assim, em La nuit de la vérité de<br />

Fanta Regina Nacro, realiza<strong>do</strong>ra burkinabe, reconhecer-se-á a estrutura trágica, inspirada<br />

em Shakespeare mais uma vez. 297<br />

295 No lançamento <strong>do</strong> livro em Coimbra (25 de Julho de 2011), Abdulai Sila explicou que teve de ler e reler<br />

Shakespeare para aprender a escrever uma peça. (apontamentos pessoais)<br />

296 Por outro la<strong>do</strong>, a metáfora <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> transforma<strong>do</strong> em palco shakespeariano aparece<br />

noutros tipos de textos. No livro já cita<strong>do</strong> de Braeckman sobre os novos preda<strong>do</strong>res que assolam a RDC, a<br />

descrição <strong>do</strong>s funerais de Laurent-Désiré Kabila oferece mais uma evidência da influência <strong>do</strong> dramaturgo<br />

inglês. No trecho seguinte, facto notável, a referência é partilhada tanto pela autora belga como por um<br />

observa<strong>do</strong>r congolês: «En ce jour de deuil, Joseph Kabila, que l’assassinat de son père a soudain projeté à<br />

l’avant-scène du drame congolais, ressemble à une héros de Shakespeare. Un Shakespeare qui revient à la<br />

mémoire de Yerodia N’Dombassi, le compagnon de la première heure, lorsque, réfrénant ses larmes, il s’écrie<br />

devant le mausolée qui abritera le corps de son ami: ‘Une brute qui s’appelait Brutus t’a ravi à notre affection.<br />

[…]» (Braeckman, 2009: 162).<br />

297 Uma crítica <strong>do</strong> jornal inglês The Guardian estabeleceu aliás um paralelismo entre La nuit de la vérité e várias<br />

peças de Shakespeare: «Indeed, in this story of a flawed hero tormented by his past crimes, and a woman<br />

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