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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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V.3. RELER E REESCREVER OS CLÁSSICO A PARTIR DO SUL<br />

Este último ponto remete para a originalidade da investigação de língua inglesa: são<br />

investiga<strong>do</strong>res oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s clássicos que se depararam com muito mais <strong>do</strong> que<br />

simples adaptações locais <strong>do</strong>s textos de Sófocles, Ésquilo ou Eurípides. 190 Pois um Soyinka<br />

ou um Osofisan, ao reescreverem os clássicos, evidenciam um trabalho prévio de<br />

interpretação <strong>do</strong>s mesmos textos, uma interpretação fora <strong>do</strong> seu lugar de origem. Como<br />

aconteceu com a maior parte da produção literária pós-<strong>colonial</strong>, esta deslocação para sul da<br />

interpretação e reescrita de parte <strong>do</strong> cânone tem várias implicações (Lazarus, 2004): impede<br />

a reprodução desse cânone nos moldes dita<strong>do</strong>s pelas instâncias críticas <strong>do</strong> Norte, fazen<strong>do</strong>-<br />

o funcionar como modelo, mas um modelo que recusa alguns <strong>do</strong>s pressupostos ideológicos<br />

<strong>do</strong> texto antigo.<br />

To<strong>do</strong>s admitem que a tragédia, assim como o teatro escrito de cariz ocidental,<br />

entrou em boa parte <strong>do</strong> continente nas bagagens <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r, mas a tragédia grega, por<br />

não estar tão intimamente ligada às representações coloniais, teria si<strong>do</strong> mais facilmente<br />

aceite pelos escritores africanos. É assim pelo menos que Wetmore interpreta o interesse<br />

<strong>do</strong>s dramaturgos nigerianos: «Greek tragedy was introduced into Africa during the <strong>colonial</strong><br />

era, and was used as a model for indigenous African playwriting and playmaking».<br />

Acrescenta ainda: «Greek tragedy, for a variety of reasons, appealed to African playwrights<br />

and could be utilized without the taint of imperialist Europe and the national literatures of<br />

the <strong>colonial</strong> powers» (Wetmore, 2002: 21).<br />

O mesmo autor via também outras articulações possíveis entre o teatro clássico<br />

grego e as práticas teatrais em vários países africanos anteriores à chegada <strong>do</strong>s Europeus: a<br />

ligação <strong>do</strong>s espetáculos a certos momentos (ritos religiosos, festas comunais…) e lugares<br />

particulares, os aspetos políticos e sociais, a representação de conflitos entre normas<br />

opostas, etc. Para além disso, num contexto marca<strong>do</strong> pelas invasões coloniais e pelas<br />

formas de resistência, algumas figuras de referência presentes nas bagagens <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r<br />

podiam ser objeto de reapropriação. Se Antígona constitui a peça mais adaptada pelos<br />

dramaturgos africanos de língua inglesa (Hardwick e Gillespie, 2007; Wetmore, 2002), é<br />

190 Budelman lembra que para os classicistas o mais importante no campo da pesquisa é o estu<strong>do</strong> das<br />

receções, ou seja, a maneira como o teatro grego tem si<strong>do</strong> li<strong>do</strong>, critica<strong>do</strong>, reescrito no mun<strong>do</strong> contemporâneo.<br />

Perante estas reescritas, nomeadamente a de Femi Osofisan em Women of Ewu, Budelman evidencia uma<br />

abertura crítica. Assim, a peça de Osofisan pode ser lida pelos especialistas em literaturas africanas, pelos<br />

especialistas em teatro, em estu<strong>do</strong>s pós-coloniais… «Like differents audiences, they overlap» (Budelman,<br />

2007: 35).<br />

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