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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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poeta e ensaísta Abdelkébir Khatibi. 63 Parece-me possível esboçar o que Mignolo entende<br />

por pensamento fronteiriço a partir da sua interpretação de vários ensaios <strong>do</strong> escritor<br />

marroquino. Primeiro, a «dupla crítica» de Khatibi (herdeiro de uma dupla tradição, que lhe<br />

permite olhar ambas com a mesma perspicácia crítica) é um exemplo forte de pensamento<br />

de «fronteira», porque, para ser crítico tanto de uma certa cultura francesa como da tradição<br />

arabo-muçulmana, é preciso, ao mesmo tempo, pensar a partir de ambas tradições e, ao<br />

mesmo tempo, de nenhuma delas (2000 b : 67). O pensamento de fronteira recusa a visão<br />

linear <strong>do</strong> tempo, o que pressupõe uma visão hegemónica onde as tensões se resolvem<br />

sempre a favor da hegemonia. No «pensamento outro», há comparação de tradições,<br />

leituras críticas, mas não há sínteses (o que significa uma rejeição da epistemologia<br />

<strong>do</strong>minante). Não há «síntese feliz que nos levaria a uma natural reprodução da<br />

epistemologia ocidental» (2000 b : 68).<br />

O pensamento outro, ou pensamento na/de fronteira, tem igualmente implicações<br />

éticas, pois, ao contrário <strong>do</strong> paradigma <strong>do</strong>minante, este pensamento não humilha nem<br />

procura <strong>do</strong>minar. Mignolo reivindica igualmente, como outros pensa<strong>do</strong>res pós-coloniais, o<br />

la<strong>do</strong> fragmentário e inacaba<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento assim produzi<strong>do</strong> (2000 b : 68). A localização<br />

deste pensamento é importante: qualquer que seja, o lugar em questão tem de se situar num<br />

cruzamento e não num lugar fixo, com raízes (como o é a nação entendida no seu senti<strong>do</strong><br />

mais reacionário). Por fim, adiciona algo essencial aos autores de que me socorri<br />

anteriormente: este pensamento supõe um enorme trabalho de tradução (2000 b : 70),<br />

tradução linguística e «tradução» de conhecimento, mas sempre, dan<strong>do</strong> como exemplo o<br />

caso de Khatibi, com a consciência de que a língua imperial (o Francês) silenciou o que foi,<br />

e está, a ser produzi<strong>do</strong> na língua <strong>do</strong>minada (em Árabe). Posteriormente acrescenta que o<br />

«pensamento outro» se assemelha a uma forma de globalidade que opera pela tradução de<br />

códigos e de sistemas de signos que circulam dentro, por cima, e por baixo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

(2000 b : 83).<br />

Ao contrário <strong>do</strong> que advoga Mignolo, julgo possível pensar a «fronteira»<br />

independentemente da origem geo-epistemológica <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r. É certo que, como<br />

defende Santos, este terá de se posicionar «<strong>do</strong> la<strong>do</strong> de dentro da margem e não <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de<br />

63 Ao colocar Abdelkébir Khatibi (1938-2009) <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de lá da «fronteira», ao fazer dele um paradigma de<br />

pensa<strong>do</strong>r «fronteiriço», Mignolo sugere que ele seria subestima<strong>do</strong> deste la<strong>do</strong>. Ora, a julgar pelo capital<br />

simbólico das suas editoras francesas (Gallimard, La Différence), assim como pela receção das suas obras nas<br />

instâncias de legitimação e de celebração (recebeu vários prémios de prestígio em Paris), é de supor, pelo<br />

contrário, que a sua obra circulava sem grande problema entre ambos os la<strong>do</strong>s da «fronteira». Antes de falecer<br />

em Março de 2009, teve ainda tempo de reunir os seus textos mais importantes em três volumes publica<strong>do</strong>s<br />

na La Différence (Paris) em 2008: Romans et Récits (vol.1), Poésie de l’aimance (vol.2), Essais (vol.3).<br />

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