24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

político-social, 238 mas para as vozes <strong>do</strong>s conjura<strong>do</strong>s que sofrem no deserto é apesar de tu<strong>do</strong><br />

o lugar da pulsação vital:<br />

Voix <strong>do</strong>uze: A boire! A s’empiffrer! Do<strong>do</strong>! Pipi! Caca! Lagoonville! Lagoonville!<br />

Nous voulons retourner à Lagoonville, cet endroit maudit par lequel le monde<br />

entier fait ses besoins. Lagoonville est le centre de gravité de la mort et de la merde<br />

mondiale. La vie y sent très mauvais […]. (Scène glaise et porcelaine)<br />

O desregulamento <strong>do</strong> corpo humano, como <strong>do</strong> corpo-cidade e <strong>do</strong> corpo-Esta<strong>do</strong>,<br />

atinge nesta parte da peça o próprio tempo, pois tanto as personagens como o recetor<br />

acabam por não conseguirem situar-se. A homologia com o contexto parece estabelecida<br />

quan<strong>do</strong> o próprio escoar <strong>do</strong> tempo é qualifica<strong>do</strong> de «merdeux». Este desregulamento<br />

generaliza<strong>do</strong> das funções corporais, esta presença de um corpo sofre<strong>do</strong>r, como noutras<br />

peças de Tansi, deve ser li<strong>do</strong>, mais uma vez, como metáfora <strong>do</strong> desregulamento social.<br />

Perante esta situação, Emanu, que além <strong>do</strong> desastre coletivo sabe através de<br />

Essayine da morte da sua esposa, vira-se para o céu: «Et toi, ciel, tu restes au ciel, rivé<br />

comme une connerie tranquille! […] Poussière infaillible, quelle langue parles-tu?» (Scène<br />

cardan). Emanu coloca o trágico no patamar <strong>do</strong>s homens, pois o céu mu<strong>do</strong> que ele acusa já<br />

não intervém há muito nos assuntos humanos. Incentiva então os conjura<strong>do</strong>s a marchar<br />

contra a capital antes de morrer subitamente. No entanto, entre as personagens, há uma<br />

que antevê a possibilidade de quebrar a circularidade trágica, a repetição <strong>do</strong> sofrimento.<br />

A<strong>do</strong>na, capitão conjura<strong>do</strong> exila<strong>do</strong> no deserto, sugere aos companheiros que, em vez de<br />

inverterem para ação violenta, tentem transformar o seu lugar de vida:<br />

Les choses commenceraient par une prise de conscience, au lieu de toujours devoir<br />

commencer le monde par une prise d’armes ou une prise de bec avec<br />

l’environnement. Nous sommes dans un bordel, inventons une existence qui soit<br />

capable de vivre dans un bordel. (Scène ardente)<br />

238 A presença <strong>do</strong> escatológico numa relação de homologia com o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> é recorrente<br />

num certo teatro africano de língua francesa. Assim, em Ce soleil où j’ai toujours soif (1995) de Florent Couao-<br />

Zotti (Benim), a personagem principal, Sena, varre<strong>do</strong>r de rua, estabelece um paralelismo entre o excremento<br />

individual e o esta<strong>do</strong> de decomposição a que chegou a distopia. Falhará no seu projeto de limpar a vida<br />

pública bem como a sua própria vida e terá de voltar a limpar as ruas da cidade. Trata-se claramente de uma<br />

tragédia, pois o destino de Sena não está sela<strong>do</strong> nas estrelas que amaldiçoa («Cruelles, vous m’entendez?<br />

Cruelles sorcières, que la malédiction vous confonde!» 39) mas na sua condição social original. O destino não<br />

interveio na desgraça de Sena, mas este, à semelhança de outras personagens trágicas, procura a fonte <strong>do</strong> mal<br />

fora de si.<br />

301

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!