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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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comme ces gens en sont arrivés à te [Ntambue] détester, plus qu’ils ne nous haïssent nous-<br />

mêmes.» (II, 7) 213<br />

Apesar da discrepância de meios, Ilunga retoma a luta acreditan<strong>do</strong> que o povo iria<br />

segui-lo. Na sua análise da situação (o exército de ocupação corrompe-se no exercício<br />

diário da violência) ecoa o que Fanon dizia <strong>do</strong> opressor <strong>colonial</strong> em Les damnés de la terre:<br />

«Aucun envahisseur ne peut avoir la tête tranquille sur le territoire de l’opprimé. L’injustice,<br />

la brutalité, la peur, finissent par miner la conscience. C’est pour cela qu’ils deviennent<br />

chaque jour de plus en plus immondes.» (III, 3).<br />

Perante a opressão crescente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, Ilunga e os rebeldes invadem o Palácio,<br />

matam os guardas e prendem Ntambue. Para Ilunga, a queda deste tem origem na cadeia de<br />

decisões que tomou: «Tu n’as été qu’un traître à la terre des Aïeux. Et tu as fini par décréter<br />

ta propre déchéance» (III, 9). Acusa-o de se condenar a si próprio a partir <strong>do</strong> momento em<br />

que desrespeitou as normas da comunidade: «Les Ancêtres ne par<strong>do</strong>nneront jamais les<br />

offenses infligées par un fils sorti de leur souche. Ils sont inexorables. Tu m’entends? Ils<br />

sont ine-xo-ra-bles! (Tambour).» (III, 9). Ilunga associa aqui claramente o mal a uma infração<br />

perante uma norma essencial para a comunidade, pois, ao aceitar servir uma autoridade<br />

ilegítima, Ntambue não só se afastou, por escolha própria, da comunidade como também a<br />

colocou em perigo. Esta tensão entre a culpa original de um potente e o mal que aflige a<br />

comunidade relembra uma tensão semelhante que percorre, estrutura até, boa parte <strong>do</strong><br />

corpus grego. De facto, tanto em Sófocles como na peça de Nkashama, uma ou mais<br />

personagens julgam que as normas intrínsecas à comunidade são «inexoráveis». A<br />

associação da culpa a uma violação de regras essenciais ao equilíbrio da comunidade obriga<br />

o crítico a uma espécie de deslocação epistemológica, pois para entender o trágico nalguns<br />

textos de autores <strong>do</strong> Congo é preciso ter em conta um outro aspeto <strong>do</strong> contexto de<br />

referência. Na sua história da literatura <strong>do</strong> Congo-Kinshasa, Silvia Riva (2006) aponta para<br />

a importância <strong>do</strong> metafísico, <strong>do</strong> além, da força <strong>do</strong>s antepassa<strong>do</strong>s nesta literatura: 214<br />

213 Nota-se que o exercício <strong>do</strong> poder absoluto transforma fisicamente Ntambue em potenta<strong>do</strong>: engorda, veste<br />

roupa de luxo, possui palácios e vilas, consome mulheres transformadas em bens materiais… Como veremos<br />

a seguir com o trabalho de Tansi, o corpo metamorfosea<strong>do</strong> <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong> desempenha um papel essencial na<br />

representação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>, pois o corpo simboliza o excesso de poder bem como focaliza, pelas<br />

suas características, as atenções de to<strong>do</strong>s.<br />

214 A Nouvelle histoire de la littérature du Congo-Kinshasa constitui a última grande síntese de referência sobre a<br />

literatura da República Democrática <strong>do</strong> Congo. Silvia Riva (Universidade de Milão) faz parte da geração de<br />

investiga<strong>do</strong>res italianos de primeiro plano no campo <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s das literaturas africanas. A primeira edição<br />

da obra em italiano remonta a 2000. A autora aproveitou a tradução francesa (da autoria de Collin Fort) para<br />

rever e atualizar o conjunto. Num trabalho mais antigo (1984), Mukala Kadima-Nzjui tinha estuda<strong>do</strong> em<br />

pormenor os inícios da então literatura zairense: La littérature zaïroise de langue française (1945-1965). Paris:<br />

ACCT - Khartala.<br />

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