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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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ecursos materiais e simbólicos para escolherem os termos da sua identidade –, para muitos<br />

outros a identidade não é resulta<strong>do</strong> de uma escolha mas antes de uma imposição. No ponto<br />

mais baixo da hierarquia, Bauman encontra um grupo heterogéneo (os excluí<strong>do</strong>s – outcasts –<br />

descritos em Wasted lives, publica<strong>do</strong> no mesmo ano) a quem não só é imposta a identidade,<br />

como também é nega<strong>do</strong> fazer exigências: mães solteiras, sem-abrigo, pedintes, droga<strong>do</strong>s,<br />

mas igualmente os refugia<strong>do</strong>s, os “sem papéis” com ainda menos direitos (sem direito ao<br />

território, por exemplo) e apenas tolera<strong>do</strong>s em não-lugares (os campos de refugia<strong>do</strong>s). 70<br />

No entanto, a situação identitária <strong>do</strong>s que possuem papéis, autorização de<br />

residência ou ainda a nacionalidade <strong>do</strong> país para o qual imigraram os seus pais, integra<br />

igualmente dificuldades e focos de tensão. Nos Esta<strong>do</strong>s pós-coloniais <strong>do</strong> Norte, os filhos<br />

de migrantes que gerem na «fronteira» um complexo de suturas, de ligações identitárias<br />

diversas e às vezes contraditórias, têm muitas vezes de escolher um <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s em vez de se<br />

comprazerem com uma vida na «fronteira». É o que Amin Maalouf afirma em Les identités<br />

meurtrières. Segun<strong>do</strong> o escritor e ensaísta libanês, os filhos de migrantes, sobretu<strong>do</strong> os<br />

oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Sul global, são de facto «seres fronteiriços», porta<strong>do</strong>res de «fraturas diversas»<br />

(Maalouf, 1998: 11). Enquanto seres fronteiriços poderiam desempenhar o papel de<br />

intermediário ou de tradutor, mas mais <strong>do</strong> que nunca são incentiva<strong>do</strong>s a escolherem alguns<br />

<strong>do</strong>s termos da sua identidade (os que remetem para uma suposta identidade nacional<br />

homogénea) em detrimento de outros (os que pela via das narrativas íntimas e familiares<br />

ligam os filhos às culturas <strong>do</strong>s pais). Assim, nos Esta<strong>do</strong>s pós-coloniais <strong>do</strong> Norte (penso<br />

aqui mais particularmente em França), obrigar-se-á um jovem oriun<strong>do</strong> das migrações<br />

africanas a fazer prova de lealdade ao país de acolhimento <strong>do</strong>s seus pais, pois o Esta<strong>do</strong>,<br />

mas também um certo senso comum, a ideologia <strong>do</strong>minante, concebem dificilmente que se<br />

possa, por exemplo, ser francês manten<strong>do</strong> uma identidade marcada pela cultura argelina.<br />

Maalouf, entre outras razões pelos seus percursos artísticos e geográficos, percebeu,<br />

como Hall ou Gilroy aliás, o la<strong>do</strong> movediço e incompleto <strong>do</strong>s processos de identificação:<br />

«Mais il suffit de promener son regard sur les différents conflits qui se déroulent à travers le<br />

monde pour se rendre compte qu’aucune appartenance ne prévaut de manière absolue»<br />

(Maalouf, 1998: 19). No entanto, apesar <strong>do</strong> perigo e da dificuldade de viver na «fronteira»,<br />

Maalouf não vê outra possibilidade para facilitar a aproximação entre ambos os la<strong>do</strong>s. Mais<br />

70 É certo que a maioria <strong>do</strong>s centros para refugia<strong>do</strong>s existentes, por exemplo, na Europa encaixa no conceito<br />

de não-lugar. No entanto, se tivermos em conta numerosos campos de refugia<strong>do</strong>s que, pela sua longevidade,<br />

se tornaram novas cidades (por exemplo, na Palestina e no Líbano) e que, para muitos <strong>do</strong>s seus habitantes,<br />

são o único local possível e conheci<strong>do</strong>, torna-se necessária uma complexificação <strong>do</strong> conceito de campo de<br />

refugia<strong>do</strong> como não-lugar.<br />

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