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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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précises et <strong>do</strong>nt pourtant l’évidence n’est à peu près pas discutée» (Domenach, 1967: 23).<br />

De facto, para o senso comum, o trágico seria predestina<strong>do</strong> ou atribuível a uma potência<br />

superior. 177 O que explicará que o inocente seja culpa<strong>do</strong> e que a desgraça impere? Para<br />

Domenach, somente a tragédia colocou o enigma <strong>do</strong> «mal injustifica<strong>do</strong>». Nos <strong>Trágico</strong>s<br />

gregos resumir-se-ia a pergunta a isto: como podem os deuses ser bons e não impedirem o<br />

mal? «Telle est l’aporie <strong>do</strong>nt toutes les situations tragiques sont des approximations, car il<br />

est tragique que je fasse le mal précisément en voulant faire le bien» (Domenach, 1967: 25).<br />

Para Domenach, no momento da tragédia grega, a rutura entre o homem e os seus<br />

deuses já se tinha consuma<strong>do</strong>, e o primeiro já não podia atribuir totalmente a<br />

responsabilidade <strong>do</strong>s seus atos a uma transcendência. Confusamente, começava a sentir que<br />

uma parte da responsabilidade lhe pertencia. 178 Por outras palavras, se os deuses deixaram<br />

os homens entre eles, o que é que fizeram <strong>do</strong> mal, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong> mal injustifica<strong>do</strong>? Para<br />

entender a tragédia seria preciso inscrevê-la «dans cet exil de la divinité, dans cette<br />

découverte hésitante de l’impiété au cœur d’une mythologie qui porte encore l’empreinte<br />

des dieux vivants». Mesmo se a transcendência desaparece <strong>do</strong> palco das atividades<br />

humanas, permanece a pergunta inicial: como explicar a desgraça sem razão? A pergunta<br />

que coloca qualquer tragédia levar-nos-ia a «ce mystère antérieur à toute religion, à cette<br />

irrationalité rebelle à toute philosophie: le malheur sans raison, la culpabilité sans crime»<br />

(Domenach, 1967: 31).<br />

Esta questão da origem <strong>do</strong> mal (quem culpar perante o meu sofrimento?) já<br />

ocupava Nietzsche em O nascimento da Tragédia (1872). Como se sabe, no seu primeiro livro,<br />

o filósofo alemão interpretava o Coro, em primeiro lugar, como sen<strong>do</strong> o berço da tragédia,<br />

mas também como ferramenta apta a estabelecer uma distância entre ele próprio e o<br />

público, em consequência de a tragédia se ter afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> naturalismo estético (Nietzsche,<br />

1986: 54). No entanto, se a tragédia não imita a realidade, não se trata para o espeta<strong>do</strong>r de<br />

uma representação totalmente imaginária, «mais d’un monde tout aussi réel et digne de foi<br />

que l’Olympe et ses habitants l’étaient aux yeux d’un Grec croyant» (Nietzsche, ibid.).<br />

177 Como o notava Jacques Scherer no artigo «Tragique» <strong>do</strong> Dictionnaire Corvin, é uma das opinões mais<br />

comuns a propósito <strong>do</strong> trágico: «[L’opinion] la plus répandue parle de destin, de fatalité, lit les actions<br />

tragiques comme si elles étaient prédéterminées et considère que le devoir lui-même s’impose au héros<br />

comme une nécessité extérieure».<br />

178 Sabe-se que, para Vernant, a hesitação relativamente à culpa trágica correspondia antes de mais a uma<br />

tensão entre <strong>do</strong>is tipos de normas: umas que tinham a ver com a ordem religiosa e outras com a ordem<br />

jurídica emergente (Vernant e Vidal-Naquet, 1995). Esta tensão remete também para a ambiguidade da<br />

linguagem trágica. No mesmo livro, Vernant insiste neste ponto importante: existe um conflito também<br />

porque existe uma indecisão no significa<strong>do</strong> das palavras utilizadas pelas personagens.<br />

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