24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Parece-me, porém, questionável a insinuação de Ricoeur de que a coação da<br />

narrativa hegemónica continua a fazer sentir os seus efeitos. Já não é preciso o me<strong>do</strong> para<br />

impor a narrativa: esta foi naturalizada, nomeadamente graças a uma certa literatura (mas<br />

também ao cinema, à banda desenhada…) e reproduz-se hoje sem coerção, aceite por um<br />

certo senso comum como sen<strong>do</strong> em grande parte a Verdade. Daí a necessidade de ler as<br />

outras narrativas existentes sem contu<strong>do</strong> perder de vista o conteú<strong>do</strong> assim como a retórica<br />

<strong>do</strong> Texto. Esta preocupação em ler Tansi, Nkashama e Pepetela sem recorrer ao Texto,<br />

preocupação teórica pós-<strong>colonial</strong>, foi um <strong>do</strong>s elementos centrais <strong>do</strong> meu projeto de<br />

investigação.<br />

A aproximação entre autores oriun<strong>do</strong>s de países diferentes, mas semelhantes no<br />

que tem a ver com a experiência de uma ocupação <strong>colonial</strong> violenta na qual se origina a<br />

violência pós-independência, também se inscreve neste esforço de procura de caminhos<br />

novos, assumidamente pós-coloniais, na interpretação de textos. À semelhança <strong>do</strong> que fez<br />

Gruzinski com o conceito de Monarchie Catholique, não se tratou aqui de privilegiar o locus de<br />

uma leitura em detrimento das outras. O que a presente dissertação pretendeu revelar é que<br />

uma obra pode, ao mesmo tempo e consoante as intenções <strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>r, significar<br />

numa tensão entre o local e o global, sem que a escolha de um nível se faça em detrimento<br />

<strong>do</strong> outro. Por causa da natureza <strong>do</strong> objeto literário, destacaria ainda a importância de<br />

pensar uma geografia nova. Nos desenvolvimentos futuros deste trabalho, parece inevitável<br />

aprofundar a natureza desta metáfora emergente, a da geografia particular <strong>do</strong> objeto<br />

literário. Quiçá o pensamento inova<strong>do</strong>r de Milton Santos (2002) possa neste aspeto revelar-<br />

se estimulante.<br />

Como foi níti<strong>do</strong> em vários momentos, a dissertação foi atravessada pela noção de<br />

tensão entre receção local e global, entre o que o texto significa aqui e lá, porque o bem<br />

simbólico, independentemente da sua origem, é, entre outras coisas, um objeto de<br />

«fronteira» por natureza. Cria<strong>do</strong> localmente, tende para a «fronteira», para o outro lugar<br />

onde o leitor longínquo o conseguirá «traduzir» total ou parcialmente. Como relembrei, o<br />

próprio Sartre, que inicialmente defendia o consumo in loco da obra escrita num contexto<br />

particular, constatou que esta acaba sempre por ultrapassar os limites <strong>do</strong> que chamava a<br />

«situação» inicial.<br />

É o que acontece, por exemplo, com os romances de Pepetela. Assim, Preda<strong>do</strong>res faz<br />

com certeza senti<strong>do</strong> relativamente ao contexto social de referência, alude a uma situação<br />

conhecida <strong>do</strong> recetor local e contribui, noutro patamar, para a estruturação <strong>do</strong> campo<br />

360

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!