24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

uma reflexão metacognitiva» (Buescu, 2001: 87). Noutras palavras, neste campo é o ato<br />

comparativo em si que interessa hoje o estudioso tanto ou mais que o objeto de estu<strong>do</strong>.<br />

Nota-se, en passant, que noutras disciplinas existe a preocupação de escapar à<br />

tentação das «fronteiras» (entre nações, saberes…). Do ponto de vista heurístico, uma das<br />

propostas mais estimulantes provém de Marcel Detienne, antropólogo comparatista, que<br />

numa contribuição recente (2009) defendia a possibilidade de comparar o incomparável, de<br />

transgredir as fronteiras da ciência histórica, muitas vezes fechada dentro das fronteiras<br />

nacionais ou aberta a um comparatismo da semelhança entre países vizinhos. 33 Propõe<br />

assim a construção de «comparáveis», resulta<strong>do</strong> da colaboração entre os que podem<br />

comparar no tempo (os historia<strong>do</strong>res) e os que podem comparar no espaço (os<br />

antropólogos), a partir de perguntas não demasia<strong>do</strong> gerais nem muito intrínsecas a uma<br />

cultura (entre outros exemplos, descreve o resulta<strong>do</strong> de um trabalho comparativo sobre a<br />

noção de lugar: o que é um lugar? Como é que se constitui o território? Como é encarada a<br />

figura <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r?). A seguir, em função <strong>do</strong>s conhecimentos de cada um <strong>do</strong>s membros da<br />

equipa constituída, Detienne descreve um trabalho que põe em contacto, que estabelece<br />

«conexões» (os mesmos «branchements» utiliza<strong>do</strong>s por Amselle e Gruzinski), entre<br />

fenómenos sociais e histórias em vários continentes, entre grupos que aparentemente nada<br />

possuem em comum, com o propósito de dar a entender, numa perspetiva assumidamente<br />

inacabada, que a perspetiva comparatista não tem de arranjar analogias para ser pertinente.<br />

Pelo contrário, elogia a «dissonância» (Detienne, 2009: 173), a aproximação <strong>do</strong>s opostos,<br />

pois é, sem dúvida, a partir desta posição menos confortável que, por um la<strong>do</strong>, surgem as<br />

múltiplas modernidades <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> de que falava Friedman e que, por outro la<strong>do</strong>,<br />

consequência ética desta postura, se relativizam os essencialismos e as fronteiras qualquer<br />

que seja a sua natureza. 34<br />

Percebe-se assim melhor por que razão os estu<strong>do</strong>s das literaturas pós-coloniais se<br />

confundem, nomeadamente na França, com a ciência comparativa da literatura. O que um<br />

Moura (2001, 2007 a , 2007 b ) diz a propósito da teoria da literatura pós-<strong>colonial</strong> podia quase<br />

33 «L’essentiel pour travailler ensemble est de s’affranchir du plus proche, du natal et du natif, et de prendre<br />

mesure très tôt, très vite, que nous avons à connaître la totalité des sociétés humaines, toutes les civilisations<br />

possibles et imaginables, oui, à perte de vue, historiens et anthropologues confondus. Oublions les conseils<br />

prodigués par ceux qui répètent depuis un demi-siècle qu’il est préférable d’instituer la comparaison entre des<br />

sociétés voisines, limitrophes et qui ont progressé dans la même direction, la main dans la main, ou bien des<br />

groupes humains ayant atteint le même niveau de civilisation et offrant au premier coup d’œil suffisamment<br />

d’homologies pour naviguer en toute sécurité.» (Detienne, 2009: 43).<br />

34 «Il ne semble pas trop présomptueux de dire qu’en construisant des comparables, plus ou moins bons, à<br />

plusieurs, entre historiens et anthropologues, l’on apprend à se mettre à distance de son soi le plus animal, à<br />

porter un regard critique sur sa propre tradition, à voir, ou à entrevoir, que c’est, vraisemblablement, un choix<br />

parmi d’autres» (Detienne, 2009: 62).<br />

31

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!