24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

linguística (o francês padrão) assim como a uma estética tida como <strong>do</strong>minante (o teatro da<br />

ilusão). As características <strong>do</strong> seu teatro são então lidas como inova<strong>do</strong>ras, inequivocamente<br />

congolesas ou africanas, evidências da afirmação definitiva <strong>do</strong> escritor congolês face ao ex-<br />

centro <strong>colonial</strong>. Porém, esta questão da relação <strong>do</strong> escritor de língua francesa não francês<br />

com o centro é comum a outros campos literários contíguos, ou não, ao campo literário<br />

francês. Talvez a relação de Tansi com a língua ganhe outro significa<strong>do</strong> se a analisarmos<br />

numa perspetiva institucional e sociológica. Mais talvez <strong>do</strong> que outras literaturas escritas em<br />

línguas imperiais europeias, a literatura francesa caracteriza-se pela sua extrema<br />

centralização: as editoras e as principais instâncias de legitimação e de consagração estão<br />

concentradas em Paris. É sempre relativamente a este centro que os escritores francófonos<br />

não franceses têm de se situar, nomeadamente no que tem a ver com a relação com a<br />

língua.<br />

Como demonstrou Klinkenberg (2010), esta relação com o centro induziu várias<br />

atitudes nas periferias francófonas, desde o mimetismo com que a margem considera o<br />

francês clássico até ao barroquismo e aos jogos com a língua, ambos os polos poden<strong>do</strong> ser<br />

interpreta<strong>do</strong>s como marcas <strong>do</strong> fenómeno de insegurança linguística 10 que caracteriza as<br />

margens. Esta situação <strong>do</strong> escritor das margens relativamente ao centro guiará as suas<br />

escolhas estéticas, não só para se situar relativamente a este, mas igualmente para atrair as<br />

suas atenções já que em última análise é ele que reconhecerá, enquanto fonte de<br />

legitimação, a pertinência da escolha em questão. O mesmo centro, através <strong>do</strong> seu vasto<br />

aparelho crítico, classifica e hierarquiza muitas vezes os escritores das margens em função<br />

justamente de um critério estético: a qualidade da língua literária.<br />

Este fenómeno não é exclusivo <strong>do</strong> escritor africano de língua francesa. Por<br />

exemplo, os escritores suíços de língua francesa tiveram sempre de se situar, assim como de<br />

justificar as suas escolhas estéticas, relativamente a Paris. Às vezes, as suas estratégias<br />

relembram as <strong>do</strong>s seus congéneres africanos. No século XIX, Töpffer, por exemplo, faz<br />

acompanhar a edição francesa <strong>do</strong> seu romance Le Presbytère (1845) de um vasto aparelho de<br />

notas de rodapé destinadas a explicar o vocabulário bem como as estruturas sintáticas<br />

próprias da Suíça francófona. Se, num primeiro tempo, a crítica rejeita o romance por estar<br />

“mal escrito” (Meizoz, 1996), é o mesmo centro que através de Sainte Beuve, uma das<br />

opiniões de maior prestígio na época, acaba por reconhecer o afastamento relativamente à<br />

10 Eis como o autor define o conceito: «Il désigne le produit psychologique et social d’une distorsion entre la<br />

représentation que le locuteur se fait de la norme linguistique et celle qu’il a de ses propres productions»<br />

(Klinkenberg, 2010: 28).<br />

11

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!