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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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La vie de Michel telle qu’il la raconte induit une sorte de malaise: celui d’assister,<br />

impuissant, à la noyade d’un homme qui ne maîtrise en rien son destin. Destin <strong>do</strong>nt<br />

il ne soupçonne pas un instant qu’il puisse en être le père et l’artisan. […] Du sujet,<br />

qu’en est-il? Presque rien. A peine le réceptacle passif d’événements extérieurs.<br />

Faussement submergé par le fatum, le désir propre disparaît au regard. […] Seule<br />

compte la protestation de l’aspiration à la normalité. […] Mais alors, ces accidents<br />

répétés? Ces maladies? Ces échecs de tous ordres? Ces ruptures? Michel ne nous en<br />

dit rien. Ils lui sont étrangers. Ils n’ont rien à voir avec lui. Muets, ils sont au-delà de<br />

tout pensable. (Declerck, 2001: 115-116)<br />

Este trecho evidencia, por um la<strong>do</strong>, a incapacidade <strong>do</strong> sujeito em entender as razões<br />

<strong>do</strong> mal que o aflige, porque não quer ou porque não pode, e, por outro la<strong>do</strong>, a necessidade<br />

de passar pela mediação da narração para, apesar de tu<strong>do</strong>, procurar esboços de respostas.<br />

Seria talvez mais correto falar no plural, pois são duas narrações que se cruzam aqui, a de<br />

Michel, uma narração mais ou menos ordenada/organizada de um percurso biográfico e,<br />

por assim dizer, a narrativização da biografia de Michel pelo terapeuta. É a este nível que<br />

surge o trágico como “efeito de sintaxe”. Como o sabemos agora, este trágico precisa de<br />

uma instância de receção que, à semelhança <strong>do</strong> que acontece com um Édipo ou uma<br />

Medeia, entende, antes <strong>do</strong> próprio sujeito, o que o espera. É revela<strong>do</strong>ra a escolha por<br />

Declerck da metáfora teatral para descrever este fenómeno, pois compara Michel àquelas<br />

marionetas que não veem o vilão atrás delas: «Alors que les enfants – tout comme les<br />

lecteurs et les auditeurs que nous sommes – le voient bien, eux, et crient pour tenter de le<br />

prévenir» (Declerck, 2001: 133).<br />

O autor admite aqui o papel indispensável desempenha<strong>do</strong> pelo recetor («lecteurs,<br />

auditeurs») na interpretação <strong>do</strong> trágico, recetor que possui sempre um golpe de vantagem<br />

sobre o condena<strong>do</strong> que representa a sua própria vida e a interpreta, mal muitas vezes.<br />

Neste caso, temos Michel, reconstruin<strong>do</strong> o seu percurso perante o microfone <strong>do</strong> médico e<br />

atribuin<strong>do</strong> a origem <strong>do</strong> mal ao fatum, e Declerck que transcreve, o que significa que<br />

representa e interpreta o que já era uma representação.<br />

Como confessa a propósito de outro paciente, ao reescrever, ao representar em<br />

segun<strong>do</strong> grau, uma espécie de meta-representação, Declerck tem consciência de que está a<br />

introduzir uma nova lógica na narração - até fala a propósito desta operação de «distorsions<br />

normalisantes» (Declerck, 2001: 157). Para o propósito <strong>do</strong> presente capítulo, o mais<br />

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