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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Seria erra<strong>do</strong> ver neste espaço algo próximo da utopia; pelo contrário, o que ambos<br />

os escritores descrevem – e que parece ser uma das especificidades das literaturas africanas<br />

de língua francesa a partir de finais <strong>do</strong>s anos 1960 (Chevrier, 2006: 75-98) – são distopias,<br />

ou se preferirmos anti-utopias ou contra-utopias, ou seja, lugares aterra<strong>do</strong>res, mun<strong>do</strong>s<br />

imaginários que representam não o melhor <strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s mas o pior. Como o apontava<br />

Spelth num artigo sobre o lugar da distopia na produção romanesca <strong>do</strong> autor, existem<br />

diversas razões que explicam a multiplicação das distopias: vontade de universalizar o<br />

propósito, 220 bem como de evitar a censura e as perseguições (Spelth, 2007: 215). O que<br />

descreve Nkashama tanto nos romances como nas peças não é um Esta<strong>do</strong> onde nada<br />

funciona, como afirma Spelth, mas um Esta<strong>do</strong> que funciona mal para a maioria e bem para<br />

a minoria. Ao contrário da utopia, acrescenta Spelth, que por definição nunca encontra<br />

uma atualização, a distopia possui como principal característica a de se reproduzir:<br />

A cet égard, l’univers de l’auteur est foncièrement anti-utopique, démontrant que,<br />

malgré le rêve d’un avenir meilleur, les instincts naturels pour le pouvoir et la<br />

richesse prévaudront. L’utopie reste toujours irréalisable, mais la dystopie se<br />

renouvelle infiniment. (Spelth, 2007: 230)<br />

O primeiro ato confirma o lugar central da casa no espaço teatral, uma casa cujo<br />

esta<strong>do</strong> desordena<strong>do</strong> mantém uma certa homologia com o exterior: a desarrumação interior<br />

remete para a desordem social que a rodeia. Como o telefone não funciona, May Britt e<br />

Luen<strong>do</strong> só conseguem obter parcas notícias sobre a situação na cidade através de Tossler e<br />

da rádio, esta anuncian<strong>do</strong> a ameaça pairan<strong>do</strong> no espaço virtual. Mais uma vez, a rádio<br />

desempenha aqui o papel de auguro, pois adverte o duplo destinatário de qualquer diálogo<br />

no teatro (personagem e recetor) de que algo de nefasto pode surgir, como o mostra o<br />

seguinte trecho: «Les émeutes ont gagné les quartiers périphériques et les militaires mutinés<br />

s’attaquent à présent à la zone résidentielle. Nous conseillons aux expatriés de ne pas<br />

bouger de leurs maisons» (I, 1). Posteriormente a mesma rádio fala de «défaillance<br />

généralisée de l’État» (I, 2).<br />

Nos primeiros instantes, May Britt e Luen<strong>do</strong> trocam informações algo díspares,<br />

fragmentos biográficos, lembranças da juventude como se, perante o perigo virtual, fosse<br />

preciso encher o vazio à espera <strong>do</strong> pior. É na segunda cena que Tossler volta a casa para<br />

descrever o que viu na cidade: guerra civil, violações por parte <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s, pilhagens,<br />

220 É o que também julga Kortenaar (2000: 228-245) num artigo dedica<strong>do</strong> justamente aos Esta<strong>do</strong>s fictícios nas<br />

ficções africanas.<br />

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